Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

7 de maio de 2008

RORAIMA, O NOVO VELHO OESTE

Recentemente, um deputado lá das bandas de cima disse que o general-de-exército Augusto Heleno Pereira estava fazendo o papel do general Custer, o herói norte-americano que combateu os índios e se ferrou.O nosso general brasileiro atacou a política indigenista praticada aqui, afirmando, entre outras coisas, que a demarcação de reservas indígenas na fronteira do país ameaça a soberania nacional. Isso tudo porque, de uns tempos para cá, passamos a conhecer uma outra crise – e não é nada tranquilizadora – ameaçando as populações que vivem lá pelos lados de Roraima, que, pelo jeito, tornou-se o nosso Velho Oeste. Ou seja: índios versus caras-pálidas, como nos tempos de Touro Sentado, Jerônimo e outros tantos ícones que o cinema colocou nas telas para enfrentar John Wayne e outros mocinhos dos velhos bang-bangs filmados por mestres do gênero como John Ford, Howard Hawks e mais alguns privilegiados que souberam explocar o tema usando as fantásticas paisagens do Grand Canyon.
O diabo é que, quando começou a escaramuça entre arrozeiros – os plantadores de arroz – e os índios da reserva Raposa Serra do Sol, a coisa vem se avolumando. Nestes dias, nove ou dez índios foram atacados por asseclas de um fazendeiro que ocupava pequena parte da terra indígena, legalmente, o prefeito de Paracaima, Paulo César Quartiero, líder dos proprietários de terras que os índios dizem ser deles. Naquelas bandas índio não quer apito, quer as terras que o Governo Federal destinou a eles numa penada talvez equivocada, definida quando as coisas já não estavam boas entre os dois lados porque, como diz o general Heleno, comandante militar da Amazônia, a política indigenista do nosso Governo é “lamentável e caótica”. Por que?. Por não impedir os não-índios de entrar em reservas e por abandonar as comunidades indígenas à miséria depois da demarcação da área da Serra do Sol. Respaldado nos seus conhecimentos sobre aquela região e no apoio das elites militares, o general, primeiro chefe da missão de paz da ONU no Haiti, experiente em combate e conhecedor da vida indigenista, acha que a política da União é errada ao entregar territórios vastos e contínuos aos índios. Ontem, ou anteontem, o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, disse numa entrevista que os índios não precisam de tanta terra, precisam mesmo é de dignidade e da proteção do Estado. Dezessete ou dezoito mil índios ocupam na reserva Raposa Serra do Sol uma área de um milhão e oitocentos mil hectares e, segundo o governador, são usados como bodes expiatórios das inúmeras ONGs existentes na região, interessadas menos em defender as causas dos índios e mais nas riquezas minerais da vasta região.
Achei esquisito o tal deputado – nem lembro o nome da figura – ter comparado o general Heleno com o general Custer, que a maioria só conhece via cinema – e vejam que até Marcello Mastroiani interpretou o general -, figura a quem Hollywood dedicou mais de uma dezena de filmes, todos fazendo a apologia do personagem histporico até aparecer “Pequeno Grande Homem”, de Arthur Penn, que derrubou o mito. Em 1967, a Associação dos Índios da América do Norte fez um apelo às empresas comerciais dos Estados Unidos para que não financiassem um programa de televisão destinado a glorificar o general George Armstrong Custer. Famoso por sua extrema crueldade contra os peles-vermelhas depois da Guerra da Secessão, idolatrado depois que Errol Flynn fez “O Intrépido General Custer”, virou ícone para os brancos e carrasco para os índios. A associação, com mais de 30 mil membros, dizia então que não era apropriado produzir uma série de episódios televisados glorificando um oficial do Exército norte-americano que havia tomado parte no brutal assassínio de mulheres e crianças, “da mesma forma como não seria adequado apresentar-se uma série enaltecendo um criminoso de guerra nazista ou um traficante de escravos.
Numa série de artigos sobre o Velho Oeste, publicados em 1973 na “Folha de S.Paulo” e assinados por Colin Richards, do jornal “London Express”, o autor afirma que “morte e derrota foram as melhores coisas que poderiam acontecer ao general Custer. Elas o transformaram em herói nacional no protótipo hollywoodiano para a Cavalaria dos Estados Unidos”. Colin Richards afirma que se Custer tivesse derrotado os Sioux e os Cheyennes na batalha de “Little Big Horn”, provavelmente teria sido descartado pelos historiadores como um exibicionista doente por publicidade. Em 25 de junho de 1876, os batedores de Custer localizaram uma aldeia índia às margens do rio Little Big Horn, em Montana, e advertiram que era grande demais para os duzentos soldados comandados pelo egocêntrico general. Aconselharam que ele aguardasse a chegada de reforços, mas Custer estava novamente às voltas com seus problemas de publicidade desde que fora processado num inquérito onde fez acusações infundadas contra a família do presidente Grant. E, mais uma vez, necessitava de uma grande vitória sobre os índios para recuperar seu prestígio na Cavalaria. Resultado: ignorou os conselhos, desceu o vale do Little Big Horn e foi cercado por mais de 3 mil Sioux, Cheyennes e Arapanhões. Três horas depois o seu exército estava dizimado. Aparentemente, Custer suicidou-se. Touro Sentado e seus índios haviam desenterrado a machadinha de guerra para vingar suas mulheres e filhos assassinados pelas hordas do general. Fiquemos de olho porque, muitas vezes, a História de repete. Não temos nenhum Custer, como insinuou o tal deputado lá dos altos do país, mas temos aí, discutido todos os dias já há um bom tempo, um conflito que, hora qualquer, pode virar o nosso Little Big Horn. Quem não conhece a história pode alugar em vídeo o “Pequeno Grande Homem”, obra que desmistifica Custer, de quem o nosso general Heleno não herdou nada. Ainda bem.

5 de maio de 2008

Trinta anos... O HOMEM NU

1967
Acredito que “A Hora e Vez de Augusto Matraga” tenha sido, até agora, a melhor obra de Roberto Santos, cineasta lúcido capaz de levar adiante, com simplicidade e dedicação, toda produção em que possa analisar detidamente seus personagens e dar-lhes consistência de humanismo, de tragédia e de humor, sem se preocupar basicamente com estilos, simbolismos ou efeitos fotográficos.
Assim é o novo filme dele, “O Homem Nu”. Sem pompa, isento de exercícios de forma e de sofisticação, atrai pela simplicidade com que o diretor aborda o problema do professor Sílvio Proença (Paulo José), de repente transformado em marginal e caçado por uma cidade inteira.
Disse que considero “Matraga” a melhor realização de Roberto Santos por uma razão: sendo uma obra mais difícil, exigiu muito mais esforço cinematográfico de seu realizador e outra visão das situações. Também exigiu uma adaptação mais estudada para que não houvesse qualquer deturpação da obra de Guimarães Rosa. Passado algum tempo – dois anos – Roberto Santos retorna com esta comédia que adapta o conto de Fernando Sabino e que o diretor transforma num filme sóbrio, discreto, sem chavões, despretensioso mas sem a força dramática de “Matraga” e “O Grande Momento”, este último sua estréia em 1958, mas com o espírito alegre de “As Cariocas”. Ao adaptar o conto com o próprio Sabino, Roberto Santos considerou que a simples história de um homem correndo nu pelo Rio de Janeiro oferecia poucas condições para uma análise do personagem e do comportamento de uma cidade diante de uma determinada situação.
Assim, aprofundou-se no roteiro e criou uma trama ao mesmo tempo divertida, bonita mas também trágica em certos momentos. Primeiro, o professor Sílvio num mundo amável, poético, metido numa realidade da qual não queria sair porque abandonar a rotina poderia significar desafios que ele não desejava enfrentar e, dessa forma, penetrar num mundo diferente e cheio de riscos. É o que acontece ao ficar nu num acontecimento simplório. Incapaz de reagir claramente e enfrentar uma realidade que descobria pouco a pouco, em sua fuga e em sua humilhação, Sílvio Proença começa a compreender a outra face de uma cidade e de um mundo que antes era extremamente calmo e acomodado. Uma face meia
Cruel, meia amarga e também meia violenta, que esconde cinismo, egoísmo e muitos esquemas morais para ser sentida e compreendida por um sujeito metido numa situação vexatória à qual estava exposto por acidente. Há a perseguição pelo Rio inteiro e, no final, a conscientização ao descobrir a falta de solidariedade humana e a vulnerabilidade de seu lar. Então surge a amargura e já não existem mais saídas.
Roberto Santos obtém de Paulo José sua melhor interpretação, e no elenco feminino há destaque para Esmeralda Barros porque Íris Bruzzi, Leila Diniz, Ruth de Souza e Joana Fomm pouco aparecem. “O Homem Nu” conseguiu ser um bom filme de costumes e de críticas aos princípios morais das grandes cidades e que poderiam ser colocados também em qualquer pequena cidade porque o comportamento é o mesmo e nada mudou: tipos como Valença fazem parte de um folclore que muitas vezes machuca.

19 de abril de 2008

Trinta anos... O MARGINAL

21.03.1975

“O Marginal”, que Dias Gomes transformou em argumento cinematográfico e que Carlos Manga dirigiu, para azar seu depois de um afastamento de 13 anos do cinema brasileiro, é um filme que, lamentávelmente, não escapa da ingenuidade. Excluídas as suas boas qualidades técnicas, resultados, principalmente, do esmero que Oswaldo de Oliveira aplica à fotografia, não há como perdoar uma obra tão ineficiente e tola em seu modo de desenvolver a história de Valdo, o marginal do título. Quem está sentado na poltrona, à espera de, no mínimo, um filme policial mais aplicado, recebe a chatice de um extenso, inexplicável, cru e ingênuo dramalhão onde Dias Gomes colocou bons punhados de tudo o que as telenovelas vendem diariamente.
Vejamos: há um homem, Valdo, que se transforma em assassino porque a sociedade o corrompe. Criança ainda, como o filme mostra em sucessivos flashbacks entre passado e presente, é internado num colégio, de onde foge. Já homem feito, ambiciona alcançar uma posição social e o “status” que lhe fora negado na infância. Trabalha numa boate onde conhece Beth, milionária enganadora de homens e com quem se envolve. Mas conhece também a vedete do rebolado, Leina. Entre uma e outra, decide ficar com ambas. Enquanto isso, começa a subir socialmente e vira dono de uma agência de automóveis. Abandonado por Beth, mata o marido dela, pega 14 anos de cadeia e nesse período de cana pode curtir todos os seus traumas. Ainda preso, é usado por Leina, que se casa com o marginal para alcançar fama e conquistar a TV. Aparece então uma criança que Leina diz ser filho de Valdo. Acreditando na história da mulher, ele decide se comportar bem para ganhar a liberdade condicional. Sai da prisão e vai dedicar-se a um trabalho honesto: chaveiro. É novamente enganado por Leina, fica sabendo que o filho não é seu, espanca a mulher, refugia-se na sua oficina e só sai de lá para enfrentar a polícia. E o resto é o resto.
Qualquer pessoa acostumada a assistir os dramalhões telenovelescos já percebe o que é “O Marginal” nas suas concepções de argumento. Mas não imagina que, num filme, Carlos Manga tenha utilizado de maneira tão pobre a linguagem cinematográfica. As noções mais elementares de ritmo e ação, planos, enquadramentos etc, parecem aplicados, nesta obra, por um cineasta amador e não por um Carlos Manga que merece as melhores referências e que é, neste caso, fatalmente traído: acabou sendo obrigado a trabalhar um argumento que não lhe deu as mínimas chances de realizar um filme mais realista e menos piegas, mais dramático e com menos cheiro de telenovelão.
Dessa incursão ingrata no dramalhão de TV, nem Tarcisio Meira, nem Darlene Glória ou outro qualquer outro ator, passando por um Anselmo Duarte preso a marcações e claramente desinteressado, escapam para um mínimo perdão. É evidente que, sem culpa pela fragilidade com que foram construídos os personagens, os atores de esforçam, mas a tentativa deles é inócua porque não podem enriquecer figuras que nasceram para desfilar durante meses a fio suas caras na televisão, o que, por si só, já é desgastante para eles quando vão fazer cinema. Para o público a que se dirige, “O Marginal” não muda nada. Tanto faz ver um Albertinho Limonta, um Nino ou um Valdo. É tudo igual.

17 de abril de 2008

Trinta anos... DO HUMOR À INGENUIDADE DA CHANCHADA

31.10.1975

Um saudável desfile do passado. Rever os velhos musicais da Atlântida, realizados na década de 50, é como acreditar que, daqueles anos para cá, a ingenuidade e o sonho não morreram. É o mesmo que crer que o espírito do povo brasileiro continuou inalterado entre ironias e fanfarronices. É como sonhar que, de lá para cá, não tivemos nenhum outro problema mais grave, social, político ou econômico, capaz de aniquilar essa nossa característica natural de transformar tudo em pilhéria.
É saltar um quarto de século a retornar a uma época em que não se falava em poluição, não se cometiam tantos crimes e seqüestros, não havia Watergate nem se pensava em contratos de risco, o Corinthians era a alegria do povo, o Carnaval tinha o cheiro do lança perfume, as crianças podiam brincar nas calçadas sem medo de motoristas psicopatas, os pássaros ainda cantavam – hoje com a poluição do ar eles tossem – e o povo ia aos cinemas, em filas, para rir com um Oscarito, para ouvir Emilinha Borba e Marlene, atingido pelos inúmeros apelos que a ingenuidade dos filmes musicais de então possuíam.
Hoje, canta-se menos e pouco se ri. Até as piadas estão desaparecendo. E o cinema, como se sabe, descambou firme para a violência e o erotismo. Perdemos a inocência. E até nos sentimos frustrados com a oportunidade de, através de uma seleção de velhos filmes, rememorar um passado que, inegavelmente, nos permitia ter melhores satisfações. Talvez esteja aí o maior mérito de “Assim Era a Atlântida”, antologia que reúne trechos de 33 obras produzidas nos estúdios daquela companhia, no Rio, desde 1941 até 1962. Um documento precioso por si só, sem contar o fator da nostalgia, onde certamente está apoiado o trabalho do diretor Carlos Manga e do seu colaborador, Sílvio de Abreu.
Não importa se “Assim Era a Atlântida” foi elaborado segundo o modelo norte-americano de “Era Uma Vez em Hollywood”, a seleção dos velhos musicais da Metro. O que importa é que, entre as raras obras seletivas existentes no cinema brasileiro, foi montada exatamente aquela que mais fazia falta: a reunião, em 105 minutos, da contagiante alegria que a chanchada – então um termo carinhoso – espalhava entre um público que consumia o cinema nacional e que via, refletidas nas gags ingênuas de Oscarito e Grande Otelo, nas canções de Jorge Goulart, nas coreografias simplórias de Carlos Manga e Watson Macedo, nos bailados de Eliana, nos beicinhos de Fada Santoro, no heroísmo de Anselmo Duarte, nos galanteios de Cyll Farney. Na inocente maldade de José Lewgoy ou na sensualidade de Norma Benguel, imagens que faziam parte de um cotidiano feliz, espirituoso, fruto de uma época em que não se tinha vergonha de rir ou chorar.
Os que puderam acompanhar o desenvolvimento das produções da Atlântida têm aí uma excelente oportunidade de curtir o que se convencionou chamar de nostálgico. Os que não viveram aqueles anos, a nova geração que nasceu sob o estigma das guerras, da violência e de um cinema que é a imagem de sociedades doentes, podem verificar o que a chanchada representou em termos de comunicação com o público e como espelho de um povo que sofreu grandes mudanças em seu comportamento.
A chanchada foi um fenômeno que não pode ser dissociado da história do cinema brasileiro. Não pode ser ignorada, mesmo pelos céticos que hoje, diante de um Gene Kelly cantando na chuva, ou se uma Eliana com trajes de baiana dançando num musical qualquer, julgam o cinema do passado como alguma coisa primária, infantil, sem imaginação. A seleção que Carlos Manga e Sílvio de Abreu – que coordenou as pesquisas – realizaram, bebendo inspiração no modelo hollywoodiano, é um documento precioso, uma obra que, felizmente, foi idealizada e elaborada por profissionais que estão no ramo e tomaram parte ativa no fenômeno do filme musical, ou da comédia musical, ou do drama musical brasileiro.
Se existem observações de ordem técnica a serem feitas, são poucas. Talvez os trechos demasiadamente longos dos filmes apresentados – 27 chanchadas e 6 dramas -, o que é justificável: Manga e Silvio de Abreu não tiveram muito material para montar a antologia, já que boa parte dos negativos dos filmes da Atlântida foi destruída por um incêndio em 1952 e uma inundação em 1971. Talvez, também, alguma falta de imaginação dos realizadores no caso das entrevistas inseridas entre os trechos das comédias. Os depoimentos de Fada Santoro, Eliana, Grande Otelo – que conclui o filme com uma homenagem a Oscarito, o maior ídolo no elenco da Atlântida -, Cyll Farney, Anselmo Duarte, Inalda, Adelaide Chiozzo, José Lewgoy e Norma Benguel são tomados, com exceção ao de Otelo, diante dos já conhecidos cartões postais da paisagem carioca, e poderiam ser mais originais. Esses pequenos equívocos pouco significam diante do conteúdo das obras selecionadas, seus números musicais e uma montagem que valoriza os melhores momentos de cada chanchada, tornando o documentário dinâmico, tratado com escrúpulo.. Além disso, Carlos Manga evitou qualquer visão crítica sobre o gênero, permitindo apenas sua apresentação como o cinema contagiante de uma época. Manteve, inclusive, alguns trechos irônicos que se interligam com o presente, como aquele onde Oscarito diz: “Essa política nacional vai mal”. Depois de tudo, o público que se diverte com as estripulias chanchadescas só lamenta que a antologia não seja colorida.

Trinta anos... A GUERRA DOS PELADOS

20/9/1971

Mais lírico do que trágico, mais contemplativo do que emotivo, o segundo filme do diretor paranaense Sílvio Back tenta visualizar as conseqüências da expulsão de posseiros de suas terras, no interior de Santa Catarina, em 1912, por “coronéis” com grandes interesses na implantação de uma ferrovia por grupos estrangeiros. Em troca do desalojamento dos jagunços, eles teriam prioridade para explorar as riquezas das terras roubadas de famílias pobres e humildes.
O episódio ficou conhecido como Guerra do Contestado e desenvolveu-se entre 1912 e 1916 com violentos conflitos entre os “pelados” – os jagunços que rasparam seus cabelos e optaram pela luta armada na tentativa de conservar suas terras – e os “peludos”, representados pelo coronelismo, os homens poderosos de grandes melenas, que tinham como grande arma o auxílio das forças governamentais.
Entre posseiros atormentados e o poder desenrola-se um drama pontilhado pelo messianismo, pelo fanatismo religioso e por seqüências nas quais Sílvio Back tenta certos achados preciosistas. Se a tragédia foi sanguinolenta, apesar de quase ignorada nas páginas da História oficial, o filme só empolga razoavelmente. É o resultado do capricho excessivo do realizador, preocupado mais em fixar a beleza inegável das paisagens e em enriquecer a forma e menos o conteúdo sobre esta tragédia popular do nosso século.
Mas Sílvio Back consegue muito com sua habilidade. Para o espectador, ficam marcadas as passagens cheias de lirismo evocadas num cenário belíssimo que a fotografia de Oswaldo de Oliveira valoriza com maestria. Para o cinema nacional foi a segunda boa contribuição de Back, acentuada por elementos de fácil identificação: a segurança com que dirige, o capricho técnico, a linguagem simples, a reconstituição de época e a escolha de intérpretes bem ajustados aos personagens. De Jofre Soares, o Pai Velho, místico que reúne em torno de si os “pelados”, até Emmanuel Cavalcanti, Zózimo Bulbul, Jorge Karan e Átila Iório, líderes do reduto onde lutam contra os opressores, todos valorizam a obra. Se o tempo apagou os fatos das páginas da História, Sílvio Back se incumbe de revivê-los neste filme que, embora não se aprofunde politicamente na odisséia dos “pelados”, tem valores significativos como resgate da disputa entre os poderosos “coronéis” e os pacatos lavradores convertidos em guerrilheiros numa luta de vida ou morte.

Trinta anos... MACUNAÍMA

9/12/1969

O público engole “Macunaíma” da mesma maneira que o personagem é engolido pelo Brasil, segundo a definição dada pelo diretor Joaquim Pedro de Andrade: “um brasileiro comido pelo Brasil”. Ao espectador não restam dúvidas: se ele viu outros filmes nacionais este ano (1969), e se repassar a qualidade dos demais, chegará tranquilamente à conclusão de que no cinema brasileiro não há nada de melhor do que o “Macunaíma” de Joaquim Pedro.
Na difícil tarefa de adaptar o romance de Mário de Andrade, escrito há mais de 40 anos, o diretor obteve um resultado que supera as expectativas, elaborando um filme de nível técnico internacional e visualizando o nascimento, vida e morte deste personagem extremamente absurdo, grotesco, caricatural, cômico, erótico e às vezes até banal, um tipo tido como “o retrato do brasileiro de todos os tempos e de todas as regiões”.
A reação do espectador diante deste filma barroco, cafona e tropicalista é a melhor possível. Ele ri das situações, dos diálogos, dos personagens e de tudo o que está à volta de Macunaíma, desde que ele nasce preto (Grande Otelo) até sua morte, autoconsumido. Entre nascimento e morte, uma vida marcada pelos desajustes, pelo sexo, pelas trapalhadas, pela fauna das selvas e pela selva da cidade grande, o Rio, no caso, onde os mais fortes comem os mais fracos, onde quem pode mais chora menos. A fantasia de Mário de Andrade adquire, no romance e no cinema, um tom próprio, absurdo e irônico, que coloca em questão os problemas brasileiros de moral, conceitos, virtudes e vícios, saltando aos olhos como um painel rico em detalhes e onde não falta a antropofagia, forma do consumo que os índios inventaram ao devorar o bispo Sardinha e que Joaquim Pedro usa através de um banquete cruel patrocinado pelo antropófago-mor, o gigante Wenceslau (Jardel Filho).
Desse quadro de aventuras sarcásticas, ironias, sexo e humor é que Joaquim Pedro constrói o seu filme, deliberadamente hippie e rústico, gostosamente chanchadesco, ante o qual a platéia se diverte porque sente, desde o início, o grande poder de comunicação da obra. O mérito de Joaquim Pedro pela realização desta obra deve ser dividido com Grande Otelo, Paulo José e Jardel Filho, representando o Macunaíma preto, o Macunaíma branco e o gigante mau caráter, respectivamente, impondo aos seus personagens o toque caricatural necessário para enriquecer esta comédia de situações exageradamente ajustadas ao espírito do brasileiro contemporâneo. Um retrato traçado há 40 anos que adquire vida numa obra cinematográfica ousada, provocante por suas cafonices e por sua grossura proposital construída em cima do burlesco, do tropicalismo e do antropofágico.

16 de abril de 2008

Trinta anos... A TRAGÉDIA DOS CÁRCERES E UM GRITO PELAS LIBERDADES

21/06/1984

“Memórias do Cárcere”, o maior acontecimento do cinema brasileiro este ano, já está em julgamento junto aos espectadores. E é quase certo que o filme de Nelson Pereira dos Santos, adaptação excepcional do romance homônimo de Graciliano Ramos, recupere o prestígio que o cinema nacional vem perdendo gradualmente junto ao público, já que a maioria crê que não existe nada mais além das indefectíveis chanchadas, ou pornochanchadas, e dos pornodramas de sexo explícito.
Existe, mas é raro, um filme absorver tanto e emocionar tantas pessoas como tem ocorrido com “Memórias”, exibido numa única sala e que o espectador pode ver fazendo reservas antecipadas de ingressos com 48 horas de antecedência do dia e da sessão que escolher. A obra de Nelson Pereira dos Santos, que mais uma vez se debruça sobre a literatura de Graciliano Ramos – a primeira foi em 63, quando adaptou “Vidas Secas” – já se justificaria pelo fato de resgatar, em imagens, uma das peças mais poderosas da literatura brasileira, não fosse também o fato de ter levado todas as emoções das memórias do escritor até o Festival de Cannes, este ano, vencendo o disputadíssimo prêmio da crítica internacional que, para muitos, significa mais importância do que a própria Palma de Ouro.
Volta-se, aí, ao Brasil do final de 1934, quando as diferentes tendências da esquerda tentaram unir forças para impedir o avanço do fascismo, representado pela Ação Integralista Brasileira e as indecisões do governo de Getúlio Vargas. O movimento culminou na criação da Aliança Nacional Libertadora, lançada em março de 35, formado por adeptos recrutados nas classes médias urbanas, especialmente militares, intelectuais, profissionais liberais e estudantes. Comunistas, socialistas, católicos, positivistas e democratas de vários Partidos, no entanto, viram a sede da ANL ser fechada menos de quatro meses depois por força de um decreto governamental de julho de 35. Em novembro, Luís Carlos Prestes lidera o levante contra os quartéis em Natal, Recife e Rio de Janeiro. O Exército sufoca. Daí em diante vem a repressão desencadeada contra todos os suspeitos de colaboração com a extinta ANL, suspendem-se as garantias individuais de todos os cidadãos. Um deles: o escritor Graciliano Ramos, que em março de 36 ocupava o cargo público de diretor de Instrução do Estado de Alagoas. Preso, ele é conduzido à longa e tormentosa viagem que descreve nas memórias dos cárceres onde esteve preso, sem acusação ou culpa formada, durante 10 meses e 10 dias. Graciliano, no filme interpretado vigorosamente por Carlos Vereza, morreu em 20 de março de 1953. O romance – se é que se pode chamar de romance – só foi publicado depois de sua morte.
Um relato cruel, humano, emotivo, tenso e emocionante onde estão citados nada menos do que 236 personagens que Nelson Pereira, na adaptação, reduziu para 103, sem contar 700 figurantes. Três horas e 7 minutos de duração que jamais cansam o espectador, um bilhão e 50 milhões de cruzeiros gastos na produção e campanha promocional, e a expectativa de que estará pago assim que atingir um milhão de pessoas, o que não será difícil e pode ocorrer bem antes dos dois anos previstos pela Embrafilme, tamanha a expectativa do público em relação à obra.
“O cárcere, em meu filme, é uma metáfora da sociedade brasileira. No espaço exíguo da prisão a dinâmica de cada um é mais clara: a classe média militar, o jovem, a mulher, o negro, o nordestino, o sulista. O encontro com o prisioneiro comum, o ladrão, o assaltante, o homossexual. Graciliano registrou tudo isso, lutando contra os próprios preconceitos, e conseguiu nos deixar um testamento generoso, aberto. Gostaria de transmitir, como era o desejo dele, a sensação de liberdade, sair da cadeia das relações sociais e políticas que aprisionam o povo brasileiro”.
O depoimento de Nelson Pereira é também uma referência a uma das frases de Graciliano no romance: “Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda podemos nos mexer”.
A primeira idéia de adaptar “Memórias do Cárcere” nasceu quando Nelson Pereira filmou “Vidas Secas” e manteve uma relação direta com o trabalho do escritor. E porque, em 63, o Brasil estava mergulhado num clima de violência política e institucional. “Memórias” contava a mesma história em outra época, a realidade se repetia. Mas o Brasil dos anos 60 não dava condições a nenhum cineasta, por mais ousado, de levar adiante um projeto de adaptação que Nelson Pereira só retomou em 1981, sem nenhum problema político de censura.
“Qualquer significado político, no filme, deve ser extraído pelo próprio espectador e, assim, estou sendo fiel ao pensamento de Graciliano Ramos. O livro, como o filme, não é político. Trata da condição humana de forma universal”, afirma Nelson Pereira. No filme, apenas alguns personagens conservam os nomes reais citados pelo escritor: Heloísa (Glória Pires), a mulher ciumenta que depois se transforma e luta pela liberdade do marido; doutor Sobral, Cubano e o Capitão Lobo, figuras que conviveram com Graciliano e que estão representadas por atores por atores como Jofre Soares, José Dumont (Mário Pinto, um comunista), Nildo Parente como Emanuel, preso político que na cadeia se comportava como alto burguês, Wilson Grey fazendo Gaúcho, marginal carcomido mas cheio de humanismo. Em participações especiais aparecem Paulo Porto, Nelson Dantas, Monique Lafont, Fábio Sabag, André Villon e Silvio de Abreu. A primeira revolução do cinema brasileiro ocorreu com a eclosão do Cinema Novo. A segunda, como afirmou um crítico francês, começa agora com “Memórias do Cárcere”.

15 de abril de 2008

Trinta anos... A VELHA ARGENTINA

Nós, “los hermanos”, sempre consideramos que os argentinos são os mais desgraçados concorrentes do nosso futebol, no bom sentido e sem ofensas. Depois começaram a aparecer as rixas em comércio, Mercosul, política, fronteiras, os apoios do casal Kirchner ao “hermano” Hugo Chaves, a situação do povão de lá, que agora nem pode mais gozar o prazer de um bom churrasco porque anda faltando boi e, consequentemente, faltando carne. A gloriosa Argentina está virando uma zorra, o que é uma pena porque um dos prazeres do brasileiro sempre foi visitar Buenos Aires e curtir o clima europeu da belíssima capital com seus cafés, livrarias, avenidas e tudo o mais que a cidade nos oferece, sem contar os outros locais freqüentados mais pelos ricos e novos ricos brasileiros que tomam porres com a atual cotação do dólar. Mas, parece, não anda mudando pouca coisa na vida argentina, basta ler, como li no início desta semana, no “Estadão”, uma nota de vinte e uma linhas informando – notícia da agência France Presse – que um deputado de nome Lorenzo Pepe pediu que seja proibida a veiculação, pela televisão, de um episódio do desenho “Os Simpsons”. Com certeza, o tal de Pepe deve ser um daqueles fanáticos peronistas que ainda acreditam que os fantasmas de Juan Domingo Perón e da então primeira dama Evita – nada a ver com a Madona no musical do cinema – ainda voam sobre a calle Florida e arredores, assombrando os que atacam de uma forma ou outra os seus nomes santificados. Coisas assim nos fazem lembrar certos episódios tipicamente nacionais, isto é, brasileiros, e que lembram também as épocas negras em que a Censura baixou firme por aqui só porque diziam que o pescoço do marechal de plantão era curto, o outro que apareceu depois nunca havia lido nenhum livro e, portanto, pra eles, censurar era coisa tão corriqueira como acreditou o nosso companheiro jornalista que passou seis meses em cana porque disse, na sua crônica, que a cabeça do Duque de Caxias, a estátua dele em frente à velha Rodoviária, era um depositório dos cocos dos pombos.
O nosso amigo argentino Lorenzo Pepe pediu a censura ao desenho dos Simpsons alegando que um dos personagens chama Juan Domingo Perón de ditador. Perón foi presidente argentino três vezes, entre 1946 e 1974, e seu carisma entre o povo argentino é comparado aqui ao nosso getulismo, ademarismo, malufismo e outros tantos ismos que temos na nossa política. Convenhamos: esse deputado deve ser um debilóide, porque acha que ninguém, menos algum argentino, acredita que Perón foi um ditador que encabeçou o regime militar, mandou centenas pro espaço, faturou milhões em cima dos alemães que acolheu depois do fim da Segunda Guerra e só ficou no procênio por causa da aura de sua mulher, Evita, que bancou a barra pesada na época.
A nota informa que não foi a primeira vez que o desenho dos Simpsons, conhecidos em todo o mundo, provocam atos desse tipo, reacionários e de indignação. Em 2002, um episódio do seriado que fazia piadas com o Brasil, mostrando um retrato negativo e estereotipado do País, também entrou na listinha dos que o consideraram ofensivo a nós, brasileiros, como se isso fosse afetar a nossa economia, manchar o Cristo Redentor, passar imagens fajutas da Bahia ou de São Paulo, informar que Aleijadinho era um Michelangelo tupiniquim e que Niemeyer copiou o plano diretor de Brasília. Ora, será que os argentinos não têm nada mais que os precupem senão ler besteiras desse tipo?. Será que a economia por lá anda às mil maravilhas, a política idem, o povão também?.
O fato é que, passados tantos e tantos anos depois das censuras religiosas e políticas, do nazismo, do fascismo, do comunismo, do famigerado macartismo norte-americano que acabou com a carreira de tanta gente competente de todas as Artes, desde o cinema até a literatura, ainda tem gente que sonha com os velhos tempos do “Farenheit 451” – lembram? – o filme do diretor François Truffaut (1967), futurista, que mostrou como o governo totalitário proibia e mandava queimar qualquer exemplar de livro porque considerava o material escrito como ameaça à segurança pública.
Para nossa sorte, tanto o cinema quanto as outras Artes souberam driblar a ofensiva dos censores que existem desde que inventaram as prostitutas. E não serão os Simpsons, com suas piadinhas, que irão derrubar repúblicas ou ditaduras, como pensa o deputado argentino. Se ele acha que é o guardião da moralidade, é porque nunca leu nada sobre os velhos tempos. Cinema, teatro, música, histórias em quadrinhos, os gibis as velhas guardas, foram sempre alvos de manifestações reacionárias. Havia sempre um maldito espião achando que por trás das tiras dos jornais tinha um comunista comedor de criancinhas pronto para o bote no capitalismo..E a merda se espalhava como uma descarga de preconceitos inaceitáveis. No álbum “Histórias em Quadrinhos e Comunicação de Massa”, editado aqui em São Paulo por ocasião do Simpósio Internacional promovido pelo MASP e Escola Panamericana da Artes, em 1970, ou 1969, nem lembro mais, , já se dizia que “desde a sua criação, os comics tinham sido objetos de numerosos ataques”. Os quadrinhos sugiram no século 15, os desenhos animados vieram muitos anos depois. Mas os quadrinhos, desde antes da primeira guerra, foram acusados de semear desrespeito e insubordinação “no espírito das crianças pela glorificação de moleques atrevidos e anarquistas como o “Yellow Kid” ou “Os Sobrinhos do Capitão”, e de representar para seus jovens leitores uma perda de tempo e de atenção”. A censura americana fez com que alguns jornais importantes do país, como o “Boston Herald”, cancelassem as suas páginas de historietas, que só voltaram porque os leitores exigiram. É que, com menos dinheiro nos cofres por causa da queda nas tiragens, os donos entenderam que americano começava a ler jornais pelas páginas das historietas, e nunca pela política, cultura, economia ou o que fosse. Aliás, é o que faço até hoje: sem ler as tiras diárias de alguns personagens tipo “ Sargento Zero” ou “Calvin”, começo a relembrar os velhos tempos em que se liam os gibis de Mandrake, Fantasma, Tarzan, Nyoka, Jim das Selvas, Roy Rogers, Zorro e outros tantos nomes que povoaram a nossa imaginação.
O diabo é que, depois de guerra e com o aumento de deliquência juvenil, os ataques às histórias em quadrinhos aumentaram. No álbum, diz-se que, “acusando-a de solapar a moral da juventude, psicólogos, pedagogos e demagogos de todas as facções políticas prepararam contra as histórias em quadrinhos um assalto em massa que culminou em 1954 com a publicação do livro “A Sedução dos Inocentes”, do dr. Frederic Wertham. .Ele, servindo-se de exemplos cuidadosamente escolhidos – informa o álbum - , de desenhos truncados e de algumas vezes verdadeiras falsificações, o bom doutor, psiquiatra por profissão, procurou demonstrar com uma generalização abusiva que “esses comics, culpados de engendrar todos os pecados e vícios da terra – inclusive alguns que acreditávamos desaparecidos depois da destruição de Sodoma e Gomorra – eram a fonte de todos os nossos problemas”.
Na semana passada, lendo um artigo de Sérgio Augusto no “Estadão”, intitulado”Quando os Gibis Conheceram o Fogo da Inquisição”, comentando o livro “The Ten-Cent Plague, de David Hajdu, ele se refere ao ilustre dr. Frederic Wertham como o sujeito que entrou para as histórias em quadrinhos “como um vilão mais temido que Lex Luthor e o Dr.Silvana”. Lembram deles?. Luthor, o arquiinimigo do Super-Homem, Silvana o maquiavélico inimigo do Capitão Marvel., Wertham, diz o artigo, combateu implacavelmente todos os super-heróis do seu tempo, e não foram poucos. Por isso levou para o cemitério o epitáfio de “o McCarthy dos quadrinhos”, lembrando sempre que Joseph McCarthy foi o carrasco na caça aos comunistas na América e atolou Hollywood de delatores. Agora, como que copiando os nefastos exemplos dos dois, Wertham e McCarthy, o Pepe argentino quer censurar Simpsons e companhia. Logo vai implicar com Branca de Neve e os Sete Anões alegando que se trata de uma história de perversões sexuais.

14 de abril de 2008

TRINTA ANOS DE CINEMA BRASILEIRO

Sem qualquer pretensão didática ou o que seja, inicio hoje uma republicação das críticas que publiquei na “Folha de S.Paulo” entre o final dos anos 60 e o final dos anos 80, ou seja, mais ou menos 30 anos assistindo filmes ótimos, bons, regulares, mais ou menos e péssimos, e os péssimos botei pra fora desta minha modesta contribuição aos que precisam de informações sobre um período que, se foi muito bom, também foi muito ruim, e as gerações mais velhas devem saber quais as razões, chumbo grosso pra cima da gente, cineastas, artistas, jornalistas etc etc etc. Mas estou colocando no blog as criticas da forma como foram publicadas na “Folha”, sem modificações. Espero que elas sirvam como uma fonte de consulta ao pessoal que está começando as carreiras em Jornalismo, Comunicação, Relações Públicas, Publicidade e todas as outras áreas sobre as quais o cinema teve e continua tendo uma decisiva influência. Espero que tirem bom proveito de tantas e tantas linhas escritas em quase 30 anos escrevendo sobre um cinema que sempre procurei defender, quando bom, mas sempre critiquei, quando ruim. E vamos lá.

A DISCUSSÃO DA VIOLÊNCIA

“Quando a morte não incomoda, a existência perde importância e sentido. Quando o sangue não horroriza, o sangue corre. Quando as almas endurecem e se acomodam à brutalidade, só uma brutalidade gigantesca as despertará. E violência é empurrada por uma poderosa inércia.Evaporou-se o nosso senso trágico, perdemos a noção do amor à vida. Está acionado apenas o espírito bufo. Sendo assim, gargalhemos com esta macabra pilhéria que acabamos de pregar nos autores do “Livro dos Recordes” e dos compêndios de Geografia: a verdadeira Chicago está aqui”.
O trecho é do comentário de Alberto Dines, “Chicago”, publicado na quinta-feira última na “Folha”, página dois. Repito, para quem não leu, porque ele se liga intimamente aos atuais acontecimentos – os crimes do Esquadrão da Morte na Baixada Fluminense, a recente prisão e soltura do delegado Sergio Fleury, em São Paulo, a violência praticada contra Milton Morais em Guarulhos – que ampliam a atualidade do filme “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, de Hector Babenco.
Cinema e realidade se entrelaçam. Lemos nos jornais, hoje, notícias de que só entre janeiro e fevereiro deste ano foram encontrados, crivados de balas e mutilados, setenta e quatro cadáveres que teriam sido vítimas do ramo carioca do Esquadrão.Os fatos, portanto, conferem a “Lúcio Flávio” um espaço maior como obra que resume, como cinema, aquele compromisso quase sempre renegado de manipular a realidade sob a qual vivemos e utiliza-la como exemplos.
Mais que Mineirinho, Paraíba ou Perpétuo, Lúcio Flávio Lírio foi quem praticamente abriu toda a intensa polêmica que envolve a organização parapolicial, o Esquadrão, que estabeleceu regras e modelos próprios para sua justiça. Ninguém ignora sua existência e os esforços de muitas autoridades para denunciar a organização e, ao mesmo tempo, colocar um ponto final nas suas arbitrariedades, que normalmente enchem cemitérios. Crimes mantidos impunes sob a proteção de uma lei que já virou galhofa. Ninguém acredita. Justiça, hoje, é termo que perde lugar nos dicionários. O procurador Hélio Bicudo tem o seu ótimo testemunho, “Meu Depoimento Sobre o Esquadrão da Morte” (editado pela Paz e Terra) e quem leu teve a chance de verificar até que ponto chega a ação desse (ou desses) grupo parapolicial quando coloca, em, seu index, o nome de determinado marginal.
A obra de Babenco toma o tema como ponto de referência para discutir a atual problemática do crescimento da violência na sociedade brasileira. E o faz com sangue nas veias. O tema poderia ser analisado através de qualquer outro marginal além de Lúcio Flávio Vilar Lírio, assassinado em agosto de 1975 numa cela da penitenciária Lemos de Brito, no Rio, com 19 facadas. Babenco, entretanto, já tinha boa parte do trabalho feita pelo escritor e jornalista José Louzeiro, autor do livro em que o filme é baseado e que, em 75, lançando sua melhor obra, o fez provocando impacto porque narrava exatamente a vida de um bandido que ousara denunciara existência do grupo de eliminações sumárias. O livro já é um roteiro, composto de farto material colhido por Louzeiro, que entrevistou Lúcio Flávio várias vezes.
Não se pode duvidar, em nenhum instante, das qualidades formais do filme.Hábil e sensível aos momentos da nossa realidade, Babenco construiu um espetáculo cru varrido o tempo todo pelo jogo entre policiais e marginais e por uma violência que as imagens procuram salientar na tentativa de especular sobre assuntos que abrangem a tortura física, a corrupção, a falência da Justiça, as implacáveis perseguições e a brutalidade sem freios que campeia dentro da sociedade brasileira e que, ainda lembrando o comentário de Alberto Dines, nos dá a impressão de estarmos vivendo na Alemanha dos anos 30, isto é, amortecidos. As propostas da obra podem ser discutíveis. Não podem, porém, ser ignoradas. Usando o estilo dos policiais americanos dos anos 40, transposto para o nosso ambiente de violência e asfixia, Babenco consegue um casamento ideal entre o espetáculo e a denúncia num filme onde procura refletir as condições em que Lucio Flávio foi transformado numa das mais famosas vítimas do Esquadrão. Um “herói” de boa árvore genealógica, classe média, estudado, boa pinta, poeta nas horas vagas, consciente do seu papel, enredado num esquema do qual nunca pôde escapar. Lúcio Flávio chegou ao fim do seu ciclo de crimes com o testemunho do que haviam feito dele: um marginal vilipendiado, torturado, humilhado, o otário que, para os policiais – o delegado Moretti e seu comparsa Bechara, no filme desempenhados por Paulo César Pereio e Ivã Cândido – não passava de um instrumento através do qual, impunes, os corruptores realizavam suas transações, assaltos, tráfico, roubos , etc,
O impacto do livro de Louzeiro se nivela ao que Babenco , com sensibilidade, estabeleceu nas imagens. No plano também de outra obra importante do atual cinema brasileiro de enganamento e de propostas, “Barra Pesada”, de Reginaldo Faria, “Lúcio Flávio” é uma sucessão de fatos reais envolvidos por certas concessões que o diretor e Louzeiro foram obrigados a fazer para que o filme não tivesse, na Censura, seus mais vigorosos momentos (os devaneios amorosos entre o personagem e Janice, sua amante, o pesadelo do marginal, na cela, ao sonhar com sua morte, o instante em que é obrigado, como ser humano, a descer à degradação total sob os efeitos da tortura) impedidos de atingirem um público que poucas vezes, diante de filmes nacionais, pôde refletir, perplexo, acerca de uma determinada realidade.
Exceção a esses “presentes” aos censores – os policiais federais mostrados como exemplos de humanismo e bondade, os nomes fictícios outorgados aos corruptores de Lúcio Flávio, os letreiros justificando a posterior punição aplicada aos policiais envolvidos no caso – o filme só tem o equívoco de lançar o marginal aos olhos da platéia como um bandido qualquer, já que Babenco não se preocupou em defini-lo melhor a partir de certas origens que, como o próprio diretor afirma, poderiam te-lo levado à Medicina, à Engenharia ou a outra profissão qualquer que não a marginalidade.
Uma obra forte e vigorosa, construída com simplicidade, linearmente, que se repete em vários momentos mas é toda ela tocada por um realismo trágico do qual podemos extrair lições. Afinal, embora fale abertamente – quase sempre com ousadia e coragem, algumas vezes com certa timidez – sobre os métodos do Esquadrão e o processo de envolvimento dos policiais na proteção ao marginal para proveito próprio, o filme não pode ser discutido apenas por essa ótica. Deve, isto sim, ampliar as discussões sobre a violência em todos os níveis. Afinal, não é só o Esquadrão o responsável pela brutalidade odiosa que se alastra sobre nossas cebeças, e o recente caso do jornalista Milton Morais é mais do que suficiente para servir como prova de que estamos afundando em poças de sangue.
9/03/1978

9 de abril de 2008

O CINEMA E A RECESSÃO

Muito bem, os norte-americanos pegam gripe e nós, aqui, esperamos os momentos de começar a espirrar, porque acabamos infectados pela gripe estadunidense que parece se alastrar a cada dia, com o tal de Fed anunciando que a crise econômica por lá não é coisa de nenhum filme de Frank Capra e que nem o presidente Roosevelt, o anjo da guarda do “New Deal”, se vivo, conseguiria salvar as vítimas do “crash” de 2008, igual ou pior daquele que arruinou a economia dos Estados Unidos nos anos 29 e 30. “New Deal” significava novos tempos para os norte-americanos, e o slogan pegou todos eles de calças curtas – os que ainda vestiam calças – e, se não ficarmos de olho, o nosso tal de Lula vai querer imitar a história, se é que já não imitou criando as tais de Bolsas pra todos os cantos do país. Só que leio hoje (7) que está morrendo gente aos montes por causa das chuvas no Nordeste, tem mais gente ainda precisando de socorro médico e aquele socorro do nosso Big Brother ainda não apareceu, como não surgiu no caso da dengue no Rio e certamente não vai aparecer caso a epidemia do mosquito se espalhe pelo resto do país. Ficaremos reféns de um maldito mosquitinho que estaria liquidado se entrasse nas latrinas usadas por deputados e senadores, em Brasília. Que tal a sugestão?. Afinal, são todos sanguessugas, ou não?.Neste final de semana, no “Estadão”, João Ubaldo Ribeiro esculhambou os políticos cariocas que não estão nem aí para o caos na saúde, e vejam que a dengue não pega apenas favelados mas pegou, também, o nosso medalhista olímpico Diego Hipólito, que é capaz de ficar fora das disputas na China por causa de um mosquito ordinário, fruto da incompetência dos políticos – também incompetentes – que prolifera com a rapidez que eles, os políticos, deveriam dedicar à aprovação de todos os programas de saúde para a população deste país, principalmente aquela que o nosso Big Brother diz acudir com bolsas, sacolas, mochilas e etc. Agora, ainda, estou ouvindo no rádio o Lula dizer que o Brasil será um grande construtor de navios dentro se poucos anos. E me pergunto: quem vai trabalhar nos estaleiros se tem dengue, febre amarela e, quem sabe, outras doenças que virão por aí?.O profeta de nove dedos dizia, recentemente, que o sistema de saúde brasileiro é um dos melhores do mundo. Sorte dele, que nunca precisou entrar numa fila do INSS.
Lula, há pouco, falando sobre a provável recessão na economia dos Estados Unidos, comparou-se ao então presidente Roosevelt, e aí, cá pra nós, o discurso entornou. Acho que Lula nunca leu nada sobre o pior momento econômico norte-americano, e nem sabe que Roosevelt, na sua cadeira de rodas, levantou o país inteiro num movimento que não distribuía nem dentaduras nem bolsas, mas esperanças pros famigerados cidadãos que, vimos, por exemplo, no clássico “As Vinhas da Ira” (1940), de John Ford. Agora, ligando o cinema com a recessão, é bom lembrar que nos anos 30, Hollywood soube, melhor que ninguém, de que forma manipular a baderna econômica do país, primeiro produzindo os filmes cantados, depois com os cem por cento falados, aqueles que fascinavam um público ansioso por esquecer, nas salas escuras, os seus problemas de sobrevivência material.
Num artigo em que discorria sobre a crise daquela época, o jornal “The New York Times” afirmava que os banqueiros logo perceberam o importante papel de Hollywood como antídoto contra o pessimismo dos norte-americanos. O Chase Manhattan Bank, do grupo Rockfeller, e a Atlas Corporation, do grupo Morgan, dominavam os oito maiores estúdios E os puritanos deram o troco, porque o atrativo dos cinemas, com filmes de todos os tipos, não era nada legal. Ao contrário, era a total indecência, daí tem surgido o tal de Código Hays, aquele que, a pretexto de vigiar a moralidade pública, queria mesmo era controlar o tratamento dos problemas sociais através do cinema.
A produção de filmes nos Estados Unidos, desde o início da crise que gerou milhões de desempregados, foi dirigida por banqueiros puritanos. Isso explica o fato de que, entre 1929 e 1933, período mais negro da Depressão, o cinema deixou de abordar os problemas da sociedade e do homem americano, instalando-se como uma usina de sonhos, uma fábrica de esperanças. A crise econômica fez nascer um novo gênero, o filme de gangsters, ou “film noir”, que tentava esclarecer alguns aspectos dramáticos vividos pela sociedade, como foi em “O Fugitivo”, de 1932, de Mervyn Le Roy, que abordou a trágica situação de milhões de pessoas, refletida na figura de um ex-prisioneiro que, livre mas sem emprego, vivia miseravelmente e atirava-se desesperadamente contra o mundo.E daí começaram a surgir filmes que, em metáforas, parábolas, gozações, violência e terror, tentavam mostrar aos americanos que o cotidiano deles não tinha nada de “happy end”. Foi assim com o primeiro “Frankenstein”, de James Whale, de 1931, com Boris Karloff. O “New York Times” afirmava que, vendo o filme, todo mundo foi se exorcizar nas salas de cinemas, e, coincidentemente, foi no mesmo ano em que Ted Browning fez o primeiro “Drácula”, com Bela Lugosi mais vampiresco do que nunca.
Esses gêneros driblavam as restrições impostas pelo Código Hays e representavam melhor do que qualquer análise social o imaginário angustiado do país vítima de uma neurose coletiva. “O Médico e o Monstro”, de 32, de Rouben Mamoulian, e “King Kong”, de 33, realizado por Merian C.Cooper e Robert Schoedsack, confirmaram que o cinema de terror respondia aos temores daqueles anos, eram verdadeiros rituais de despossessão dos quais os espectadores participavam para espantar as obsessões cotidianas, desde a falta de grana até desemprego e subsistência. “De mercadores de sonhos, os produtores de Hollywood tornaram-se mercadores de pesadelos”, segundo o “Times”.
Mas o presidente Roosevelt era o dragão lutando contra a Depressão. Sorte dele que contou com total apoio de Hollywood, e ninguém como o diretor Frank Capra melhor transmitiu, em seus filmes , os ideais que o público precisava absorver para vencer a crise: segurança, otimismo, crença no poder da democracia, na liberdade de expressão, no desejo de progresso e no lema de Grande Oportunidade. O idealismo era abençoado pelo destino e pela sorte, e não sem razão Gary Cooper ficou milionário com a herança do tio em “O Galante Mr.Deeds”, de 36, para depois de rico ter de enfrentar os políticos profissionais, os burocratas, os corruptos e toda a sujeira do mundo dos altos negócios e negociatas, exatamente a podridão que Roosevelt tentava extirpar do país.
O cinema, enfim, mostrou que a recessão de 29, com a crise na Bolsa de Nova York, só fez bem à indústria do ócio e da diversão, do sonho e da fantasia. E Lula, o nosso Guia, talvez já esteja imaginando como tirar proveito dela, que ainda não nos atingiu. Pode ser que, a qualquer hora, ele institua uma Bolsa Roosevelt porque, diante do espelho, deve se julgar, oitenta anos depois, o criador do nosso “New Deal”.

7 de abril de 2008

MORRE CHARLTON HESTON

Ele disse, certa vez, que se dependesse dele cada cidadão norte-americano teria dentro de casa um pequeno mas básico arsenal de armas, desde espingardinhas de chumbos pra liquidar passarinhos até a mais sofisticada metralhadora tipo das que os soldados estão usando no Iraque. E quem pudesse dispor de mais espaço no quintal da casa deveria ter até um mini-tanque de guerra, pra evitar mal-entendidos com vizinhos bisbilhoteiros. Heston morreu anteontem (dia 5) aos 84 anos em sua casa de Los Angeles, e não foi devido a nenhum acidente com arma de fogo. Estava há alguns anos enfrentando os dissabores do Mal de Alzheimer, a mesma doença que matou Katharine Hepburn e que vem nocauteando Cassius Clay. Lembrando que da mesma causa morreu o ex-presidente Ronald Reagan, amigo e tanto ou mais reacionário e conservador do que o ator de “Ben-Hur” e tantos outros filmes épicos dos anos em que Hollywood rezava na Bíblia do produtor Cecil B. DeMille e produzia monumentos tipo “Os Dez Mandamentos”.
Falei sobre armas de fogo porque Heston presidiu durante anos a National Rifle Association, organização que defende os direitos do americano de ter armas em casa e que foi esculhambada pelo diretor Michael Moore no excelente “Tiros em Columbine”. Ou seja: depois de fazer tantos filmes bíblicos dá a impressão que Charlton Heston não absorveu nenhum dos mandamentos religiosos que a Bíblia ensina. Não sei se era católico, protestante, amish ou o que fosse, mas que era um republicano fanático isso era. E nunca deixou que, por isso, conseguissem destruir sua carreira no cinema, embora não faltassem tentativas.
Apesar dessas contradições, John Charlton Carter – nome de batismo - nascido em 4 de outubro de 1924 na tranqüila Evanston, Illinois, legou para o cinema norte-americano alguns títulos significativos, principalmente nas bilheterias. Na sua biografia resumida no guia “Astros & Estrelas” (Nova Cultural), ele citado como homem de vida pessoal impecável e aparência física que sugeria força e dignidade. Foi essa postura que atraiu o produtor Cecil B. DeMille, que estava caçando alguém para interpretar “Os Dez Mandamentos”, em 1956 e encontrou o tipo ideal para viver o papel de Moisés. Naquele ano, apesar de toda a sua grandiosidade, a superprodução indicada ao Oscar só conseguiu o prêmio de efeitos especiais. E Heston nem indicado foi para disputar a estatueta de melhor ator. Quem ganhou foi Yul Brynner em “O Rei e Eu”. Mas o Oscar veio em 1959 com “Ben-Hur”, dirigido por William Wyler, que teve 12 indicações e levou em onze delas, e é uma adaptação da história escrita pelo general Lew Wallace em 1880, falando sobre os primórdios do Cristianismo. Custou, na época, 15 milhões de dólares, rendeu mais de 80 milhões e aborda principalmente as relações entre Judáh Ben-Hur (Heston) e seu amigo Messala (Stephen Boyd), ambos disputando, no final, aquela magistral corrida de quadrigas filmada nos estúdios italianos de Cinecittà e que, por si só, custou um milhão de dólares.
Depois do êxito com “Ben-Hur”, Heston não parou mais. E fez, principalmente, outros personagens históricos, desde João Batista até o lendário El Cid, o gênio Michelangelo, o cowboy Buffalo Bill, o presidente americano Andrew Jackson e o cardeal Richelieu. Já contava com 18 filmes no currículo desde o primeiro, “Cidade Negra”, de 1950, e não ficou apenas nos grandes espetáculos hollywoodianos. Interpretou obras menos ambiciosas como dois da série “Planeta dos Macacos”, o primeiro em 68, depois “Terremoto” (74), “Aeroporto” (75), e dizia sempre que seu melhor trabalho havia sido em 58, sob a direção de Orson Welles em “A Marca da Maldade”, drama em preto e branco onde fez o policial que, numa cidade da fronteira com o México, investiga a bandalheira comandada por um corrupto e asqueroso xerife que o próprio Welles defende com maestria..
Dirigiu e atuou em “À Sombra da Pirâmide” (72) e “A Montanha de Ouro” (82), fez vários especiais para a televisão e em 89, aplaudido pelos ingleses, foi representar no teatro de Londres a peça “O Homem Que Não Vendeu Sua Alma”. Heston era casado desde 1944 com Lydia Clarke e tinha dois filhos. Fraser, o mais velho, apareceu como o Moisés bebê em “Os Dez Mandamentos” e é roteirista de cinema. Herdou do pai o desprezo pela vida mundana do cinema. Heston foi sempre assim, avesso às badalações. Gostava mesmo era de ficar em casa limpando os canos de suas armas.

4 de abril de 2008

SEM CHORO E SEM VELA

Entre as várias manifestações que estão acontecendo em comemoração aos 71 anos de idade do diretor teatral José Celso Martinez Correia e aos 50 anos da peça “O Rei da Vela”, faltou até agora uma exibição do filme que ele realizou nos anos 70, de parceria com Noilton Nunes, levando ao cinema a versão da obra escrita em 1933 por Osvald de Andrade e que se transformou num admirável fuzuê entre classe teatral, classe cinematográfica e a nossa então majestosa censura, aquela dos anos de chumbo que censurou Adoniran Barbosa, Mário de Andrade, Chico, Caetano e tantos outros, inclusive meu amigo Lourenço Diaféria, jornalista que escreveu uma crônica na “Folha de S.Paulo” narrando, de forma serena e sem ofensas, como é que ficava a estátua do Duque de Caxias com tanta titica das pombas que circundavam a antiga estação rodoviária paulistana, aliás, quase dentro do prédio onde antigamente ficava o famigerado DOPS de amargas lembranças.Azar nosso,que não rezamos pelos mandamentos dos censores daquela época, aqueles que encontravam subversão em quase tudo o que se escrevia, encenava, cantava e filmava. Só faltaram a eles, os censores, proibirem trechos de “O Lago dos Cisnes”, “Branca de Neve e os Sete Anões”, considerando que havia anões demais para uma só indefesa mocinha, ou encontrar palavrões em fábulas de Esopo.
Zé Celso iniciou as filmagens de “O Rei da Vela” em 71, partindo da encenação que o Grupo Oficina havia realizado em 1967 e que se tornou um espetáculo polarizador do tropicalismo. Três anos depois, quando o filme vinha sendo montado, seus dois realizadores foram presos e exilados, e todo o material filmado percorreu longos caminhos entre a África e a Europa, com dificuldades de conservação devido ao volume. Em 79, via Itamarati, o material voltou ao Brasil. Zé Celso e Noilton recomeçaram a obra até concluí-la, em 1981, dez anos depois. Para libera-la, a Censura exigiu dois cortes: um em cena onde aparece a bandeira brasileira, outra quando é entoado o Hino Nacional.
A Cinemateca Francesa exibiu “O Rei da Vela” no “Palais Chaillot”, numa sessão em homenagem ao filho de Oswald, Rudá de Andrade, que se encontrava preso há sete meses na França. Na época, em artigo publicado no jornal “Le Monde”, Bernard Dort dizia que em 1967 uma jovem companhia teatral que se instalava em São Paulo, o Grupo Oficina, criava uma peça singular ao encenar o texto oswaldiano. “Ninguém tinha ainda se atrevido a montar “O Rei da Vela”, nem as outras duas peças de Oswald, “O Homem e o Cavalo” e “A Morta”.José Celso e seus companheiros do Oficina fizeram do “Rei da Vela” o manifesto de um teatro verdadeiramente brasileiro, um “jogo de massacre” teatral que apoderou-se de todos os estilos, desde a representação épica brechtiana até os sambas do Carnaval, passando pela ópera e consumindo tudo numa grande fogueira de alegria”.
“Assim – prosseguiu o crítico francês – a história deste Abelardo, vendedor de velas funerárias – um bom negócio num país onde a mortalidade infantil era muito elevada -, que se desdobra em Abelardo 1 e Abelardo 2 e faz aliança com a aristocracia rural e depois com os americanos, não oferecia mais somente a imagem de uma sociedade provinciana e preguiçosa cujo barômetro era a alta do café: ela celebrava este cadáver gangrenado, o Brasil, transformado em espetáculo. Num Carnaval de teatro”.
Para Dort, a versão cinematográfica de “O Rei da Vela” restituiu no público o espetáculo memorável do fim dos anos 60, narrando tanto a historia do Oficina quanto a do Brasil dos últimos 15 anos, com cenas interpretadas no palco e alternadas com outras, filmadas em praias e nas ruas de São Paulo. Também intervêem filmes de atualidades, as canções de Caetano Veloso e o próprio Zé Celso manipulando seu material de trabalho. ...”é um filme verdadeiramente antropofágico que devorou tudo- concluiu o crítico do “Lê Monde”. “Assim, ele acaba com a última metamorfose do Oficina: as paredes e os muros do edifício explodem e tudo se abre ao ar livre. Como que minado do interior do filme o teatro transforma-se em “Uzyna”, num novo projeto intitulado “Sem Fronteiras”. O elenco de “O Rei da Vela” tem, entre outros, Renato Borghi, José Wilker, Renato Dobal e Flávio Santiago. Talvez ainda haja tempo para incluir o filme na extensa programação que homenageia o cinqüentenário profissional de Zé Celso.

31 de março de 2008

A FICÇÃO FICOU MAIS POBRE

Na semana passada, duas mortes sentidas no cinema e na literatura de ficção-científica. Dois nomes que, embora já um tanto tarde, merecem ser lembrados: o ator Paul Scofield e o escritor Arthur C.Clark. Podem anotar nas suas cadernetas de óbitos porque conheço alguns “ratos de cinemateca” que, morreu alguém importante no cinema, literatura, teatro, dança, televisão e até esportes ou balé, vão lá marcar as respectivas datas: nasceu em... e morreu em...
E ainda gostam de registrar do que morreram. Geralmente por falência múltipla de órgãos, definição que os médicos encontraram para enganar os parentes do morto e não dizer a eles que o sujeito morreu de câncer, aids, febre amarela, dengue, sífilis, tuberculose ou fome, até fome.
Scofield se juntou aos raríssimos grandes atores que nunca se deixaram contaminar pela fama. Aliás, o que se sabe dele é pouco, a não ser que, principalmente no teatro inglês, foi muito mais reconhecido que no cinema. Morreu no dia 19 de março, aos 86 anos, em sua casa no sul da Inglaterra, vítima de leucemia. Lembramos dele principalmente por sua excelente interpretação de sir Tomas Moore em “O Homem Que Não Vendeu Sua Alma”, tradução bem à brasileira, ou seja, idiota, para o original “A Man for All Seasons”, o filme do diretor Fred Zinnemann que em 1966 levou os principais prêmios da Academia de Hollywood – filme e direção – além do melhor ator. Scofield, então bancando o filósofo e estadista que em 1528 entra em conflito com Henrique VIII. No cinema, foi tudo o que o ator levou: uma estatueta que talvez tenha servido a ele para prender portas. Inclusive porque Scofield nunca foi cinematograficamente cotado para interpretar grandes personagens, a não ser o Tomas Moore. Mas ainda emprestou seu inegável talento em obras menores como “O Trem”, de Arthur Penn e John Frankenheimer, “Rei Lear”, de Peter Brook, “As Bruxas de Salem”, de Nicholas Rytner. Se fosse pelos filmes que fez, a não ser “O Homem...”, Scofield seria um ilustre desconhecido. Mas o teatro inglês deve muito ao seu talento, e Shakespeare deve ter agradecido a ele pelas grandes atuações que teve nos palcos londrinos.

CLARK

Arthur C.Clark morreu no dia 18 de março. Deve ter sido levado por aquele monólito que colocou no seu livro, e que, talvez nem ele quisesse, acabou se transformando num dos mais complicados enigmas da literatura de ficção-científica. Afinal, o que é aquela pedra negra que permeia o seu clássico “2001: Uma Odisséia no Espaço”?. Boa pergunta a todos os que já viram o filme umas duzentas vezes, e até morrer vão ver mais algumas, isso se não pedirem pra serem enterrados com uma cópia, se possível um DVD que não ocupa tanto espaço e cabe até no bolso do paletó.
Clark foi um genioso escritor de histórias de ficção, mas acho que, nesse gênero, não é possível chamá-lo de “mestre”, porque os entendidos em literatura de ficção-científica acabarão berrando e citando outros nomes. Quais? Fácil.. Alguém se lembra de Ray Bradbury? Ou de Isaac Asimov? Todos eles, claro, na literatura e, da literatura ao cinema. Mas ainda podemos recordar Julio Verne, que inventou aquela viagem à Lua, início de um gênero que depois acabaria com o nosso “2001”, e por que não? - lembrar também os quadrinhos de Flash Gordon. Quem teve infância e trocou gibis nas matinés dos cinemas do interior vai entender porque Flash Gordon já realizava, nos anos 40, através de seu autor, o desenhista Alex Raymond, aventuras que pra todos nós, eram mesmo puras mentirinhas, coisas que só o cinema podia inventar. Anos depois veríamos que o cinema se antecipou à realidade através de filmes, e a literatura idem, com autores como Asimov, Bradbury e Arthur Clark.
Conheço pessoas que nunca leram o livro do autor paparicado mundialmente. E nem tiveram, até hoje, a preocupação intelectual de ver o filme de Kubrick, um monumento em efeitos visuais quase ignorado pela ortodoxa Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que só premiou a obra com um Oscar técnico. Se o filme fala da ciência a serviço do ser humano, onde ficou a tal de “Ciências” da Academia? Foi outra pisada no tomate, entre tantas outras que Hollywood cometeu. Agora, “2001” está completando 40 anos, e depois dele a ficção-científica, que eu saiba, não criou nada melhor. Para comemorar o aniversário, a Warner lança um DVD duplo com o filme remasterizado, melhor som e imagem e, de sobra, aquele disco extra com o “making of” contendo uma entrevista do diretor, concedida em 1966. Você, que já viu o filme, ainda não fica arrepiado ao acompanhar a sequência do osso atirado ao ar pelo macaco e que, ao som do poema sinfônico “Assim Falou Zaratustra”, de Richard Strauss, transforma-se numa nave espacial viajando no espaço ao som do “Danúbio Azul’? É um lançamento essencial para qualquer videoteca.

17 de março de 2008

UMA SEMANA COM CHARLES CHAPLIN

Alguém pode me dizer por que o programa “Oito e Meia no Cinema”, da Record, só começa às 10 e 15 da noite dos domingos?. E por que a TV paga, no caso o Canal Cult, promove uma homenagem intitulada “Santo Chaplin”, já que sabemos que, de santo, Chaplin tinha pouca coisa?. São mistérios que os programadores da televisão brasileira nunca explicam, ou não sabem como explicar. Mas esqueça essas gafes, até certo ponto compreensíveis para o atual nível de imbecilidades da nossa tv, e acompanhe a boa programação que o canal Cult inicia hoje, terça, às seis da tarde, e conclui no domingo, dia 23, exibindo onze filmes clássicos de Charles Spencer Chaplin, o maiúsculo nome do cinema que morreu aos 88 anos em 25 de dezembro de 1977 e que, se vivo, iria comemorar os seus 119 anos de vida em 16 de abril.É provável que não chegaria festejar mais de um século de existência e bateria as botas antes disso, como bateu.
Mas, enfim, filmes de Carlitos na tv são sempre bem-vindos, e os interessados podem acompanhar a programação, de hoje a domingo, e que passo agora a vocês.
VIDA DE CACHORRO – (A Dog`s Life,1918, hoje, 18, às 18 horas) – Em 19l8, trabalhando já na First National, Charles Chaplin realizou inicialmente um pequeno filme documental encomendado pelo Governo dos Estados Unidos, cooperando na campanha de venda dos bônus de guerra (anos mais tarde isso seria considerado irônico, dado o tratamento de comunista que recebeu e que forçou a sua saída do país). Não existem cópias nem negativos dessa preciosidade. E já concluíra sua primeira comédia para o novo estúdio, “Vida de Cachorro”, onde faz um paralelo entre a vida de um cão e a de um vagabundo. O filme de apenas três rolos mostrou a luta pela sobrevivência de uma forma crua e foi definido pelo historiador Louis Delluc como “a primeira obra de arte consumada de toda a cinematografia”. Carlitos, o vagabundo eterno que então começava a nascer, primeiro salva o cãozinho que brigava com outros cães, depois salva a garota que, num salão de danças, levava também a sua vida de cachorro. Logo depois desse filme, Chaplin realizou “Ombro,Armas!”, onde o mesmo método dialético do conflito entre pequenas ilusões e necessidade social é aplicado à guerra, denunciada através de um herói que, sozinho, obtém a vitória para os Aliados. Nessa época ele lembra em suas memórias que o poderoso Cecil B.DeMille o alertara de que era perigoso, num tempo como aquele, fazer graça às custas da guerra. E se recordava, também, de um juiz que, em Augusta, lhe dissera: “O que me agrada em você é o seu conhecimento do que é fundamental. Você sabe que a parte mais digna do ser humano é o seu traseiro. E suas comédias provam isso. Quando dá um pontapé no traseiro de um senhor pomposo, você o priva de toda a sua dignidade”. Resposta chapliniana: “Não resta a menor dúvida: a bunda é a sede da nossa dignidade”.
EM BUSCA DO OURO – ( The Gold Rush, 1925, hoje, 18h50) – Primeira comédia de Chaplin para a United, a empresa que Chaplin havia fundado com Douglas Fairbanks e Mary Pickford, além de David Wark Griffith e William S.Hart, criada “para proteger a nossa independência”, disseram eles. Fairbanks e Pickford já estavam distribuindo seus filmes através da nova companhia, mas reclamavam de que, sem as comédias de Chaplin, o negócio estava preto e os prejuízos já alcançavam um milhão de dólares. A situação caótica só foi revertida com “Em Busca do Ouro”. A idéia para o filme surgiu depois dele ter visto algumas fotos do Alaska e do Klondike, quando imaginou uma história onde Carlitosse envolvia com o garimpo e com os homens rudes que rumavam para a Califórnia em busca de riqueza. Qualquer devoto do vagabundo conhece a antológica sequência em que ele cozinha as solas dos sapatos, imaginando um bom filé, e faz dos cordões um delicioso espagueti. “Na criação da comédia - dizia o senso do ridículo é estimulado pela tragédia. O ridículo, creio, contém um desafio: devemos rir do nosso desamparo na luta contra as forças da natureza, para não enlouquecer”
O CIRCO – (The Circus, 1928, amanhã, quarta, 18h) - .Comédia que Chaplin fez sob vários tipos de problemas. Um deles o divórcio de sua segunda mulher, Lita Grey, que a imprensa marrom explorou de forma obscena. Foi sua última experiência no ritmo de 16 fotogramas por segundo. Chaplin teve de treinar meses a fio com a atriz Mirna Kennedy para aprender equilibrismo – junto com ela que, evidente, nem se equilibrava nas próprias pernas - e realizar a parte da história onde o vagabundo, para escapar dos policiais, refugia-se no circo instalado numa feira de cidade do interior. Querem palco melhor para o vagabundo Carlitos aprontar as suas?. Reparem bem: num outro momento antológico de sua filmografia, Carlitos mete o pé numa estrela dourada achando que havia sido desprezado pela mocinha, depois de ajudá-la. E explode em ódio com o famoso pontapé que, em outros filmes, atingia sempre o vilão ou algum policial. No mesmo programa de “O Circo”, hora e meia depois, a semana Chaplin mostra o documentário Chaplin Today, onde o diretor iugoslavo Emir Kusturica – (aquele que levou o Leão de Ouro em Veneza, em 85, com “Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios”) – discorre sobre o clássico filme de Charles Chaplin.
O GAROTO – (The Kid, 1920, quarta, 20h10) – Você assiste “O Circo” e depois pode acompanhar um dos mais notáveis filmes chaplinianos. “O Garoto” vai ser acompanhado por um documentário que será exibido às 21h20, “Chaplin Today”, que tem participação do diretor Abbas Kiastorami, examinando a obra. E o que foi “O Garoto”? . Muitos críticos acham que “The Kid” é mo filme mais popular de Chaplin. Aquele onde ele colocou grande parte de sua própria vida, mostrando na história do menino abandonado, adotado pelo vegabundo Carlitos, um pouco da sua própria infância e do ambiente onde vivera. O garotinho era Jackie Coogan. “Podem vocês pensar num vagabundo bancando o vidraceiro, consertador de janelas, e o garoto jogando pedras nas vidraças para que Carlitos fosse chamado a conserta-las?”, perguntou Chaplin aos seus atores, que não eram muitos. .Poderia discorrer sobre este clássico de Chaplin e acabaria num livro. Mas os chaplinianos de carteirinha já conhecem tudo o que o filme revela, principalmente em lições de vida e humanismo, então não adianta esticar o papo.Basta dizer que, ao achar o ator Jackie Coogan, Chaplin disse o seguinte: “Costumam dizer que crianças e cachorros são os melhores atores em filmes.Ponhamum garoto de doze meses numa banheira com um sabonete e, quando ele tentar agarrá-lo, as gargalhadas espocarão. Todas as crianças, de uma ou outra forma, têm gênio”.
MONSIEUR VERDOUX – (Monsieur Verdoux, 1947, 18h, quinta-feira). – Realizado por Chaplin em 1947, alterna humorismo com crítica social. O personagem foi concebido segundo um paradoxo de virtudes e vícios, um homem que, aparando roseiras, evita pisar numa lagarta enquanto uma de suas vítimas está senso incinerada.. Muito bem. O filme provocou escândalos e manifestações de protesto em todos os Estados Unidos, e talvez, hoje, seria intitulado “Bush, o Matador”. Por que não?. A desgraça do filme é que ele colocou novamente Chaplin diante dos apocalípticos censores que viam tudo como o fim do mundo. Mas o diabo chapliniano, sempre alerta para as perguntas mais idiotas de censores mais ainda – aliás, nada mudou daqueles anos para os nossos – foi indagado: “ o senhor acusa a sociedade e o Estado? Ele disse: “O Estado e a sociedade não são uns anjinhos do céu. Por certo, é permitido criticá-los, não?”.
TEMPOS MODERNOS – (Modern Times, 1936, quinta-feira, 8 e 20 da noite, e no sábado, dia 22, logo às 9 e meia da manhã)- Em 3 de julho de 1974, na “Folha de S.Paulo”, publiquei um artigo sobre “Tempos Modernos”, intitulado “A Crítica e o Humanismo de Carlitos”. Foi reproduzido num dos folhetins do Cineclube Macunaíma, um dos poucos que ainda restavam aqui e que reuniam aqueles grupos de pessoas interessadas mais em rever Buster Keaton do que JohnWayne, como é mais salutar acompanhar hoje Woody Allen do que Steven Seagal, ou filmes de Rocky Balboa, Rambo, Máquinas Mortíferas, Massacres de Serras Elétricas e daí em diante, um festival de baboseiras que idiotocinemaníacos – acho que inventei o apelido, perdoe-me Roberto Santos aí no céu – curtem como se nada de mais houvesse ocorrido alguns anos antes. O meu artigo dizia que se Charles Chaplin soubesse quantos problemas enfrentaria quando começou a filmar “Tempos Modernos”, em 1936, certamente teria desistido do projeto. E não teria feito, logo em seguida, o admirável “O Grande Ditador”. Seguem aqui trechos daquele meu comentário. Falei sobre a forma como, em 1971, Chaplin decidiu relançar o clássico no mercado mundial, sonorizado, valorizado por efeitos especiais e com o suporte de uma canção que ficou famosa, “Smile”. Chaplin não queria nada disso, ficou muitos anos bancando aquele chato que insistia em nunca mais mostrar coisa alguma pra ninguém porque era a maneira como ele se vingaria dos macartistas norte-americanos que o baniram dos Estados Unidos, nos anos da caça às bruxas – o macartismo, o AI5 deles, tão maléfico ou mais do que aquele que vivemos aqui – quando comunista era “comedor de criancinhas”. Hoje, com Iraque, Afeganistão, os chineses contra os tibetanos, os Chaves aqui do nosso lado etc,etc, podemos até achar que Chaplin era um santo quando considerado comunista. Perfeito, até podia ser, nada mais justo, considerando-se os tais de direitos humanos e os direitos da livre expressão, se é que estejam respeitando uns e outros. Pensem vocês. Hoje, se vivesse entre nós fazendo filmes, Chaplin faria um “Tempos Modernos” inspirado não apenas na sociedade baseada nos lucros, mas na sociedade apoiada na mais escrachada corrupção. Brasília, por exemplo, seria o cenário ideal para os ataques do herói vagabundo, este clown admirávelmente construído para lutar contra a era da máquina que começava a transformar a liberdade do homem numa dolorosa escravidão.
Em “Tempos Modernos”, a crítica de Carlitos aos tempos de maquinização toma apenas uma parte inicial do filme. Começa apresentando as engrenagens de uma indústria, o processo de produção em série e o empregado-robô Carlitos, sofrendo, como os outros, o processo neurótico de um trabalho mecânico que se limita a apertar parafusos sob a vigilância de um severo patrão, alguma coisa semelhante às lentes das câmeras da Globo flagrando os enlevos sexuais dos idiotas que se prestam a mostrar suas inutilidades intelectuais nos BBBs da vida. Aliás, se vivesse a tivesse acesso a um roteiro de qualquer BBB, Chaplin faria mais um clássico. E talvez fosse cognominado de “chavista”, ou amigo de Uribe, ou desafeto do Bolsa Família, um desses programas criados pra quem nunca teve família e com certeza nunca terá bolsa porque, quando perceber, a bolsa já terá sido parar nas contas de algum deputado do mensalão ou de outros conhecidos golpes nacionais, ou seja, brasileiros com marca registrada tipo exportação pra quem quiser pagar mais.
O personagem chapliniano de “Tempos Modernos” tem muito a ver conosco. Carlitos é submetido como cobaia aos testes da estranha máquina de comer, um demônio mecânico inventado para que o operário não perca tempo com o almoço. Alguém se lembra da distribuição de dentaduras por políticos interessados em saber como se comportavam – e se comportam, ainda – os desdentados que imaginavam comer melhor com dentaduras novinhas sem perceber que, sem comida, dentadura é como anzol sem isca?. Pois bem, o nosso vagabundo Carlitos tinha ao menos mais senso de humor e era mais politicamente correto. Despejou a sua ira contra o sistema de trabalho, começou a brincar com as peças da fábrica, desajustou o sistema de serviços, desobedeceu ordens e acabou na prisão como desordeiro. E, de etc em etc, acaba mexendo com sentimentalismo, humanismo e solidariedade.
Para Chaplin, “Tempos Modernos” foi um desastre. Foi obrigado a obter o visto de saída dos Estados Unidos para a Europa, isso já em 1952, quando terminava a era macartista nos Estados Unidos. E mesmo na Europa foi chamado de “bolchevista” só por causa de uma sequência tão simples quanto simbólica no seu conteúdo político. Se vocês reverem o filme, vão saber por que Chaplin criou, talvez sem querer, um dos mais clássicos momentos do cinema em todos os tempos: Carlitos pega a bandeira vermelha de sinalização de um caminhão a começa a agita-la para devolve-la ao motorista. E, de tanto agitar a bandeirola, acaba de transformando no líder de uma poderosa manifestação dos operários grevistas que vinham atrás. Essa sequência apenas vale por todo o filme.
A programação desta homenagem a Chaplin, um tanto fora do tempo mas ainda assim justificável e agradável, ainda terá, na sexta-feira, às 6 da tarde, “Um Rei em Nova York” e, às 19h50, “Chaplin Today”, com o curta “Casamento ou Luxo” (1923), filme pouco conhecido. No dia seguinte, sábado, 22, às seis da tarde, outro clássico dele, “Luzes da Ribalta” (Limelight, 1953). Nem é preciso falar algo sobre o filme, um dos mais conhecidos trabalhos de Chaplin. Basta recordar a trilha sonora que ele mesmo compôs e que até hoje é executada no mundo inteiro. Outra obra, portanto, para ser vista ou revista. E o ciclo chapliniano acaba no domingo, dia 23, às 5 e meia da tarde, com o magnífico “O Grande Ditador” (The Great Ditactor, 1940). Três anos antes, o diretor Alexander Korda sugeriu a Chaplin uma história sobre Adolf Hitler. O motivo?. Um erro de identidade, porque ele, Carlitos, tinha o mesmo bigodinho e poderia bancar o ditador nazista sem ofender ninguém. Não foi por aí. Dois anos de preparação do argumento chegou-se à história do barbeiro judeu e humilde que assume o lugar de Hitler, gira o mapa-mundi nas pontas dos pés como se fosse o dono do mundo – outra sequência magistral – e faz aquele seu clássico discurso final, onde foi além da fantasia e da ficção. Não sem problemas. O discurso final foi responsável, em grande parte, pela expulsão de Chaplin dos Estados Unidos, uma década mais tarde, quando o Governo norte-americano decidiu que um jundo de tensões seria mais proveitoso do que o mundo da razão. Ave, Bush!. Mas o apelo feito por Chaplin continua vigoroso como credo de um artista que acreditava que a consciência criadora jamais poderia ser silenciada.

16 de março de 2008

UM GRANDE MOMENTO DO VELHO “WESTERN” - ‘SETE HOMENS E UM DESTINO’, 1960.

No faroeste você já viu praticamente tudo. Já viu, por exemplo, John Wayne perder o chapéu durante uma briga?. Certamente nunca , porque o velho chapéu do “cowboy”fazia parte do corpanzil dele, um dos nossos melhores heróis das matinês. No bang-bang, é claro. Tivemos nas sessões dominicais dos cineminhas interioranos mais heróis do que a nossa imaginação poderia esperar, porque, naquelas boas épocas das pipóííuas e da troca de gibís antes do início das sessões, ou você estava paquerando a garota ou então esperava pelo início do filme. Que podia ser um longa ou, quase sempre, um capítulo de seriado. Então, a festa ia desde Nyoka até Flash Gordon, Jim das Selvas, Tarzã, o Fantasma, Mandrade, Roy Rogers, Gene Autry, o Zorro e outros emblemáticos, problemáticos e enigmáticos personagens, muitos deles nascidos originalmente nas histórias em quadrinhos, que talvez tenha sido a mais rica criadora de heróis para o cinema de aventura.

As emoções desses velhos tempos – puro saudosismo, é claro – ressurgiram quando o lado criança do diretor Steven Spielberg decidiu que a geração dos velhos precisava de um escape cinematográfico pra não morrer sem gozar aquelas deliciosas sensações do “continua na próxima semana”. E criou o mocinho Indiana Jones – Indiana é o nome do cão do produtor George Lucas - que é o sujeito que melhor se adaptou às nossas lembranças dos antigos heróis das sessões dos domingos. E não sem razão: os três filmes da série Indiana, “Os Caçadores da Arca Perdida”, “O Templo da Perdição” e “A Última Cruzada”, de 81, 84 e 89, respectivamente, resgataram a honra do cinema de pura aventura e emoções.

De certa forma, isso ocorreu também com o faroeste “Sete Homens e Um Destino” (“The Magnificent Seven”, 1960), o programão que o canal Cult (Net) exibe segunda-feira, dia 17 (20 horas), um horário, convenhamos, absolutamente ideal para quem não estiver ligado na favelinha do tal de Juvenal Antena, o xodó da novela Duas Caras”, da Globo. Cara por cara, fico com a de Yul Brynner no western que o diretor John Sturges realizou em 1960 montando um elenco de simpáticos fascínoras – Steve McQueen, Charles Bronson, Robert Vaughn, Brad Dexter, James Coburn – contratados para acabar com a farra dos bandoleiros de Eli Wallach que atazanavam a vida dos humildes camponeses de uma aldeia mexicana. São seis homens maus, pistoleiros de saque rápido que topam a parada e vão socorrer as pobres vítimas de constantes saques de suas colheitas. Falta um: é o jovem Horst Buchholz. E é aí que Sturges, sem nenhum constrangimento, revela de onde surgiu a idéia para o faroeste. Buchholz é o mesmo moço atrevido e pouco experiente que Toshiro Mifune desempenhou no clássico “Os Sete Samurais” (Shichinin no Samurai, 1954), de Akira Kurosawa, que tem aquela que os críticos consideram a maior batalha épica do cinema desde a criada por D.W.Griffith em “O Nascimento de Uma Nação”, em 1915.
John Sturges não precisou senão de uma boa história e um bom roteiro para adaptar aos tempos do bangue-bangue a saga dos guerreiros que no Japão feudal vão defender a aldeia ameaçada por quarenta bandidos saqueadores. E vão lutar a troco de comida. Na época, o filme recebeu de uma parte da crítica uma qualificação simplista e injusta, de que se tratava apenas de faroeste japonês. Mas não levaram em conta o fato de que a obra foi um exemplo engenhoso e original de como um tema modesto pode transmitir considerações preciosas sobre coragem, solidariedade, dignidade e moral. Evidentemente, comparar “Sete Homens e Um Destino” com o clássico japonês é bobagem. Mas o simples fato de John Sturges não ter destruído a trama original, transformando-a num western medíocre – ao contrário – nos anos 60 que já prenunciavam a decadência do gênero foi, por si só, uma homenagem aos melhores tempos dos mocinhos que brigavam por boas causas. O elenco sustenta o filme que, além de muita ação e uns rasgos de psicologia, tem a trilha sonora notável de Elmer Bernstein.

No livro “The American Cowboy”, publicado no início dos anos 80, Lonn Taylor e Ingrid Maar, os autores, garantem que o cowboy americano raramente portava uma arma, geralmente era negro ou mulato, às vezes índio, empoeirado e faminto, e desapareceu da América muitos anos antes do nascimento de John Wayne.Segundo a dupla, os trabalhadores migrantes a cavalo que deram origem à lenda faziam parte de um sistema que durou apenas 30 anos, de 1865 a 1895, tempo em que o “boom” da criação de gado empregava cerca de 50 mil “cowboys” nos Estados Unidos. Eles trabalhavam de março a setembro. No inverno, muitos lavavam pratos ou tomavam conta de “saloons”. Mas foram os homens que inspiraram as odisséias criadas pela multimilionária indústria do cinema que faturava alto enquanto seus personagens ganhavam no máximo 30 dólares por semana, trabalhando 14 horas diárias sob calor, poeira, chuva e frio, e alimentando-se de bife, feijão, bacon e biscoitos. O mito do “cowboy” como herói romântico, aventureiro e rápido no gatilho foi detonado em 1902 com a publicação do romance “The Virginian”, de Owen Wister, que no ano seguinte deu origem ao clássico “The Great Train Robbery” (“O Grande Roubo do Trem”), que Edwin S.Porter dirigiu e que é tido como o filme responsável por tudo o que viria depois no “western” que criou centenas de heróicos “cowboys”. Na prática, segundo o livro de Taylor e Maar, eles já haviam desaparecido: a expansão das estradas de ferro para o Oeste americano, a queda nos preços da carne e uma crescente e estrita divisão de terras tornou o cowboy uma figura redundante, reduzindo-o a simples mão-de-obra aproveitada nas fazendas. Essas avaliações podem servir para os dois autores do livro, mas pra nós não servem. Preferimos curtir, ainda hoje, qualquer bom faroeste. E curtir a nostalgia dos tempos do “aí, mocinho!”. E “Sete Homens e Um Destino” é dos bons tempos. Yul Brynner, na época, já era careca, mas escondia sua condição vestido todo de negro, sempre de chapéu, como um Durango Kid brigando na árida paisagem mexicana de cactus, iguanas, cobras venenosas e bandoleiros piores ainda.Algum tempo depois, o cinema americano, saudoso de histórias do Velho Oeste porque não tinha ninguém mais para criar roteiros no mínimo inteligentes e dignos do gênero, parecia ter desistido. Mas o “western” não morreu.

E nunca vai morrer, como não morrerão filmes sobre a Segunda Guerra – Clint Eastwood fez dois, ainda agora – e as outras crises norte-americanas no Oriente Médio, Afeganistão,Iraque, Irã – ainda não, mas estarão quase lá – e, por que não, também aqui na nossa América Latina com esses conflitos de republiquetas que acabarão dando a Hollywood a chance de criar aventuras de guerra que ainda não imaginamos, mas que terão nós, latinos, como personagens principais. Imaginem, por exemplo, um agente tipo 007 enfrentando inimigos colombianos no alto do prédio da Fiesp em plena avenida Paulista. Se duvidarem, esperem!. Ou acreditem que a nossa única esperança será Juvenal Antena.

11 de março de 2008

A RAINHA QUE FERROU A FOX - ´CLEÓPATRA´, 1963

A televisão paga vem exibindo há três semanas chamadas para que todo mundo pague pra ver, conhecer ou rever e nunca mais querer ver o monumento que foi “Cleópatra” , realizado em 1963. Na última sexta-feira, o crítico Luis Carlos Merten, num artigo no Estadão, comentou como “Os 101 Dálmatas”, aventura de primeira linha com personagens vivos, mulheres, homens e cachorros convivendo numa deliciosa história, tinha tirado os estúdios Disney de um golpe mortal, ou seja, a falência no seu departamento de cinema porque, na época, estava mais preocupada em investir dinheiro nos parques temáticos. Mas como sempre aparecem os salvadores da pátria, surgiram três, Andréas Deja, Clyde Geronimi e o diretor-geral do estúdio, Wolfgang Reitherman, o atrevido sujeito que, alguns anos depois da morte de Walt Disney, o mestre, descobriu que a molecada já não se interessava mais por anões, princesas, príncipes, lobos maus, fadas, madrinhas, pirilipinpins, elefantinhos, ratinhos, gatos e cachorros. Deu sorte. Com inovações, “Os 101 Dálmatas” tirou o atraso nas contas da empresa. E mudou as feições ortodoxas dos desenhos e aventuras produzidas nos estúdios Disney.
Pois bem. Isso vale para quem rever amanhã, quarta-feira, dia 12, às dez da noite, no telecine Cult da Net, o monumental “Cleópatra”, história da rainha que acabou com as finanças da gloriosa Twenthy-Century Fox, na mesma medida em que os dálmatas salvaram a Disney. Só que, no caso da Disney, não havia nenhum cachorro estressado pra atrapalhar as filmagens. Já em “Cleópatra” havia uma pedra no caminho, a atriz Elizabeth Taylor, metida num complicado enredo que, além da história sobre a rainha do Egito, tinha a história dela com crises nervosas, manias de prima-dona, flertes com o ator Richard Burton, brigas com produtores e diretor, atrasos nas filmagens etc,etc,etc.Os bastidores de “Cleópatra”, com certeza, dariam um filme muito melhor do que aquele que podemos conhecer ou rever na quarta-feira na televisão paga. Resta saber quem é que vai suportar os 243 minutos originais do filme- quatro horas e três minutos.A não ser aqueles que, na época, os anos 60, veneravam Elizabeth Taylor com toda a sua incontestável beleza, no rosto e na forma, e colecionavam a revista “Cinelândia”, que semanalmente botava fotos da estrela na capa pra vender motivações eróticas aos rapazolas que liam escondidos os gibis de Carlos Zéfiro. E depois ainda reclamavam de tantas espinhas no rosto.
Elizabeth Taylor foi o que foi Brigitte Bardot um pouco depois, ou seja, a divina inspiração dos garotos masturbadores que mais tarde passariam a curtir a Kim Novak de “Picnic” (“Férias de Amor”), sonhando com aquele mulheraço que dança “Moonglow” com William Holden e dá um show de sensualidade. Mas Miss Taylor não era o anjinho que a gente imaginava. Menos ainda os donos da Fox na época. “Cleópatra” custou 40 milhões de dólares para a Fox, um dinheirão na época. Hoje é grana de um filme de orçamento modesto. Com roteiro baseado em histórias narradas por autores gregos como Plutarco, e no livro “The Life and Times of Cleópatra”, de C.M.Franzero, era para ser o maior espetáculo já produzido por Hollywood . Foi um deles, entre muitos outros, mas enquanto os outros faturaram, as peripécias sentimentais, aventureiras e sexuais da rainha do Egito (69-30 a.C.), uma mulher que as enciclopédias dizem ter sido desprovida de beleza majestosa mas cheia de encanto e inteligência, notavelmente e sedutora de mão cheia. Não sem razão o produtor Walter Wanger escolheu Liz Taylor para o papel. Quem melhor?. Em 63, quando fez o filme, Elizabeth Rosemond Taylor tinha 31 anos e já faturara três maridos.Em 6 de maio de l950, disse que “o coração sabe quando se encontra o homem certo. Não tenho dúvidas de que é com Nick que desejo viver toda a vida”.Primeiro marido, Conrad Nicholson Hilton. “Só desejo estar com Michael, ser sua mulher, Para mim, isto é o começo de um final feliz”. Casório com ator Michael Wilding, em 21 de fevereiro de 1952. Wilding só ficou conhecido pelo casamento com ela, Liz Taylor.Não fosse isso, teria morrido no anonimato. Quando se casou com Mike Todd, em 2 de fevereiro der 1957, disse: “É dele o meu eterno amor...Este casamento vai durar para sempre. Acho que a terceira vez é a vez da sorte”.
Mas em 12 de maio de l959, a rainha do Egito botou chifres na ingênua Debbie Reynolds, que, pra quem não se lembra, fez “Cantando na Chuva”, o clásssico do musical americano, cantando com Gene Kelly.Roubou o marido dele, o inexpressivo Eddie Fisher, casou-se com ele dizendo que nunca tinha sido tão feliz na sua vida e prometia ficar em lua-de-mel “durante trinta ou quarenta anos”.; Claro, ninguém acreditou, porque Liz Taylor já era quase uma ninfomaníaca. E essa queda por homens bonitos iria acabar quando, nas filmagens de “Cleópatra”, insistiu para que o marido Eddie Fisher ganhasse um papel, brigou com meio mundo, teve pneumonia, fingiu o diabo, atrasou as filmagens que custavam 130 mil dólares por dia, meteu o pé no traseiro do marido e. gamada por Richard Burton, casou-se com ele em 15 de março de 1964 com a seguinte jura de amor, segundo o livro da jornalista norte-americana Kitty Kelley: “Estou tão feliz que é quase impossível de acreditar...Amo-o tanto que seria capaz de ficar a seu lado, não importa o que ele pudesse fazer, e o esperaria sempre”.
Bem, com uma rainha egípcia desse tipo, nenhum filme precisaria de mais nada. E se vocês esquecerem os bastidores de “Cleópatra” e prestarem atenção ao que o filme mostra nas suas quase quatro horas, vão descobrir porque a Fox se ferrou gastando tanto dinheiro. Claro, é tudo muito bonito: cenários, fotografia, figurinos, etc, etc. Acabou ganhando quatro Oscar do segundo time, mas o que Fox queria era tudo, ou seja, todos os prêmios principais no Oscar de 1963. O filme foi fragorosamente derrotado por “As Aventuras de Tom Jones”, de Tony Richardson, e nem Liz Taylor, nem Richard Burton e menos ainda Rex Harrison passaram perto das indicações para intérpretes.
O maior prêmio de Liz Taylor como Cleópatra foi ter ganho o marido Richard Burton, Aliás, ela mesma se encarregou de chutar pouco tempo depois, até voltar atrás e viver com ele até o cansaço de tanta cama e bebida. Liz Taylor continua colecionando maridos e permanece bonita graças aos botox e plásticas, Mas, depois de tudo, termino aqui. Se vocês quiserem ver “Cleópatra”, escrevam depois para o meu blog. De minha parte, termino por aqui porque incorreria no erro de montar um texto mais longo do que as quase quatro horas do filme. Boa noite, e boa sorte.

4 de março de 2008

O FIM DO MUNDO

O cinema já nos convenceu de que o mundo já acabou há muito tempo, e que os teimosos somos nós que, apesar de todas as tragédias, insistimos em continuar vivendo como se nada tivesse acontecido. Nostradamus (1503-1566), o médico e astrólogo francês, vai continuar sendo ridicularizado enquanto existir alguém filmando histórias sobre a hecatombe, e certamente ficaria maluco se soubesse e visse tudo o que o cinema já mostrou acerca do nosso destino, aliás nada agradável. Azar dele porque, desde os anos em que viveu até hoje, suas teorias e profecias foram - e continuam sendo – temas sobre os quais mergulham escritores, dramaturgos, aventureiros, cineastas, picaretas de imagens e vendedores de catástrofes dos mais variados tipos.
De que forma o mundo pode acabar?. Pergunta que a filha de um amigo deve responder no trabalho solicitado pela professora no curso de Comunicação. O mote é o recente “Eu Sou a Lenda” (I Am Legend, 2007), filme do americano Francis Lawrence ainda em exibição em cinemas da cidade. Will Smith é um cientista do Exército norte-americano que em 2012, três anos após a destruição global provocada por um vírus, pensa ser o único sujeito que sobrou na Terra e vaga pela destruída Nova York acompanhado por uma cadela viralata, tão assustada quanto ele, e passa o tempo conversando com bonecos e bonecas de vitrines, manequins que ajudam o herói a vencer os tediosos dias que sucedem ao desastre da humanidade. Mas Robert Neville acaba descobrindo que não é o último sobrevivente. Tem mais, só que o resto virou um bando de zumbis, tipos selvagens que vivem nos subterrâneos porque não suportam a claridade.
A história vem de uma ficção do escritor Richard Matheson, um autor inspiradíssimo que o cinema utilizou várias vezes e que tem certa queda por histórias ficcionais com poucos personagens e uma avalanche de surpresas e sustos. Basta lembrar que é dele a trama muito bem urdida de “Duel”, que Steven Spielberg adaptou para a televisão em 1971 no seu hoje cult “Encurralado”, um filme sem nenhuma pretensão que acabou virando um sucesso mundial quando transferido para a tela grande e colocou o nome de Spielberg no rol dos melhores e mais criativos diretores de nossa época. Tal qual o cientista de “Eu Sou a Lenda”, lutando contra forças que desconhece, Dennis Weaver é o caixeiro viajante obrigado a enfrentar o psicopata que o persegue dirigindo um caminhão tanque que assume os contornos de um dinossauro e cujo rosto nunca aparece. Um ardiloso golpe que tanto Matheson quanto Spielberg usaram com riqueza para assustar quem leu o livro e depois viu o filme. O personagem vivido por Will Smith em “Eu Sou a Lenda” nos faz lembrar o náufrago do recente filme onde Tom Hanks, para não ficar louco na ilha onde vai parar após a queda do avião no mar, encontra numa bola de vôlei, que chama de Wilson - nome da marca da bola, grande merchandising -, a única companheira para conversar e contar suas desilusões e esperanças enquanto espera que surja um resgate.
A ficção de Richard Matheson teve duas versões anteriores a esta que está em exibiçãonos cinemas, e é sobre elas que me pedem informações para o trabalho escolar. Bem, a primeira, segundo os estudiosos do cinema de ficção futurista, ou científica, foi de 1963, uma co-produção ítalo-americana intitulada “The Last Man on Earth” e exibida no Brasil como “Mortos Que Matam”, dirigida por Sidney Salkov, com Vincent Price no papel do cientista Robert Neville. Não localizei outras referências ao filme, a não ser que, na versão italiana, levou o título de “Vento di Morte”, assinada.por um tal de Ubaldo Ragona que ninguém por aqui deve conhecer.
Em 1971 apareceu “A Última Esperança da Terra” (The Omega Man), uma produção americana dirigida por Boris Sagal, do segundo ou terceiro time de realizadores, em nível de criação, onde Charlton Heston é o mocinho. O fim do mundo é situado em 1975. E Heston, imune aos efeitos da guerra atômica graças a um soro, tem de enfrentar as pessoas que sofreram mutações, são “fotófobas” e agrupam-se numa família liderada por um fanático religioso de nome Mathias. `Se levarmos em consideração as fantasias desta versão e as que estão em “Eu Sou a Lenda”, o filme com Will Smith leva vantagem graças aos melhores efeitos especiiais obtidos via computação e pelos ótimos enquadramentos do cenário da Nova York aniquilada. Além do que Smith, bom ator, garante a ligação entre ele e o espectador, e é provável que os espectadores de hoje nem sabem quem foi Charlton Heston.
Para ilustrar melhor o trabalho da aluna, tem mais umas informações. O escritor Richard Matheson escreveu roteiros para o cinema e adaptações para filmes de suspense, horror, terror etc. Entre eles estão “A Filha de Satã”, de 61, “As Bodas de Satã”, 69, a versão de “O Incrível Homem Que Encolheu”, de 57, dirigida por Jack Arnold, também baseado em livro seu, e trabalhos para a série de filmes do diretor Roger Corman baseados em livros de Edgar Allan Poe. O fim do mundo não seria melhor nem mais imaginativo sem as histórias de Matheson.
Aliás, fim de mundo não é novidade no cinema. Dezenas de filmes trataram do tema desde os anos 30, ou até antes, e cito uma lista de alguns, a maioria de baixa qualidade mas que os cinéfilos curtem até hoje porque são raridades que você não vai encontrar em nenhuma locadora de vídeo. Por exemplo: “A Destruição do Mundo”, “Os Últimos Cinco”, “Três Mil Anos Depois de Cristo”, “Vinte Milhões de Léguas a Marte”, “A Hora Final!, “A Máquina do Tempo”, “O Dia em Que a Terra se Incendiou” (título horripilante), “Pânico no Ano Zero” e por aí. Mas, já nos anos 60, nasceram obras notáveis sobre o tema fim de mundo. Lembram-se de “Doutor Fantástico”, que Stanley Kubrick realizou em 1963, com a magnífica atuação de Peter Sellers fazendo três personagens, e o clássico final do cowboy montado na bomba atômica?. A maioria dos filmes não passou de bobagens. Mas o gênero tem seus clássicos. Outro é “Limite de Segurança”, de Sidney Lumet, de 64, e outro ainda é “A Guerra dos Mundos”, que ganhou recentemente nova versão assinada por Steven Spielberg. E não podemos esquecer a série “Planeta dos Macacos”, quatro filmes assinados por diretores menos cotados como Franklin J.Schaffner, Ted Post, Don Taylor e J.Lee Thompson.. O cinema, enfim, já destruiu o mundo muitas vezes, mas o mundo ainda não acabou.