Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

4 de abril de 2008

SEM CHORO E SEM VELA

Entre as várias manifestações que estão acontecendo em comemoração aos 71 anos de idade do diretor teatral José Celso Martinez Correia e aos 50 anos da peça “O Rei da Vela”, faltou até agora uma exibição do filme que ele realizou nos anos 70, de parceria com Noilton Nunes, levando ao cinema a versão da obra escrita em 1933 por Osvald de Andrade e que se transformou num admirável fuzuê entre classe teatral, classe cinematográfica e a nossa então majestosa censura, aquela dos anos de chumbo que censurou Adoniran Barbosa, Mário de Andrade, Chico, Caetano e tantos outros, inclusive meu amigo Lourenço Diaféria, jornalista que escreveu uma crônica na “Folha de S.Paulo” narrando, de forma serena e sem ofensas, como é que ficava a estátua do Duque de Caxias com tanta titica das pombas que circundavam a antiga estação rodoviária paulistana, aliás, quase dentro do prédio onde antigamente ficava o famigerado DOPS de amargas lembranças.Azar nosso,que não rezamos pelos mandamentos dos censores daquela época, aqueles que encontravam subversão em quase tudo o que se escrevia, encenava, cantava e filmava. Só faltaram a eles, os censores, proibirem trechos de “O Lago dos Cisnes”, “Branca de Neve e os Sete Anões”, considerando que havia anões demais para uma só indefesa mocinha, ou encontrar palavrões em fábulas de Esopo.
Zé Celso iniciou as filmagens de “O Rei da Vela” em 71, partindo da encenação que o Grupo Oficina havia realizado em 1967 e que se tornou um espetáculo polarizador do tropicalismo. Três anos depois, quando o filme vinha sendo montado, seus dois realizadores foram presos e exilados, e todo o material filmado percorreu longos caminhos entre a África e a Europa, com dificuldades de conservação devido ao volume. Em 79, via Itamarati, o material voltou ao Brasil. Zé Celso e Noilton recomeçaram a obra até concluí-la, em 1981, dez anos depois. Para libera-la, a Censura exigiu dois cortes: um em cena onde aparece a bandeira brasileira, outra quando é entoado o Hino Nacional.
A Cinemateca Francesa exibiu “O Rei da Vela” no “Palais Chaillot”, numa sessão em homenagem ao filho de Oswald, Rudá de Andrade, que se encontrava preso há sete meses na França. Na época, em artigo publicado no jornal “Le Monde”, Bernard Dort dizia que em 1967 uma jovem companhia teatral que se instalava em São Paulo, o Grupo Oficina, criava uma peça singular ao encenar o texto oswaldiano. “Ninguém tinha ainda se atrevido a montar “O Rei da Vela”, nem as outras duas peças de Oswald, “O Homem e o Cavalo” e “A Morta”.José Celso e seus companheiros do Oficina fizeram do “Rei da Vela” o manifesto de um teatro verdadeiramente brasileiro, um “jogo de massacre” teatral que apoderou-se de todos os estilos, desde a representação épica brechtiana até os sambas do Carnaval, passando pela ópera e consumindo tudo numa grande fogueira de alegria”.
“Assim – prosseguiu o crítico francês – a história deste Abelardo, vendedor de velas funerárias – um bom negócio num país onde a mortalidade infantil era muito elevada -, que se desdobra em Abelardo 1 e Abelardo 2 e faz aliança com a aristocracia rural e depois com os americanos, não oferecia mais somente a imagem de uma sociedade provinciana e preguiçosa cujo barômetro era a alta do café: ela celebrava este cadáver gangrenado, o Brasil, transformado em espetáculo. Num Carnaval de teatro”.
Para Dort, a versão cinematográfica de “O Rei da Vela” restituiu no público o espetáculo memorável do fim dos anos 60, narrando tanto a historia do Oficina quanto a do Brasil dos últimos 15 anos, com cenas interpretadas no palco e alternadas com outras, filmadas em praias e nas ruas de São Paulo. Também intervêem filmes de atualidades, as canções de Caetano Veloso e o próprio Zé Celso manipulando seu material de trabalho. ...”é um filme verdadeiramente antropofágico que devorou tudo- concluiu o crítico do “Lê Monde”. “Assim, ele acaba com a última metamorfose do Oficina: as paredes e os muros do edifício explodem e tudo se abre ao ar livre. Como que minado do interior do filme o teatro transforma-se em “Uzyna”, num novo projeto intitulado “Sem Fronteiras”. O elenco de “O Rei da Vela” tem, entre outros, Renato Borghi, José Wilker, Renato Dobal e Flávio Santiago. Talvez ainda haja tempo para incluir o filme na extensa programação que homenageia o cinqüentenário profissional de Zé Celso.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Fassoni, encontrei aqui no meu acervo de críticas sobre filmes brasileiros um texto seu a respeito de um filme do Adolpho Chadler intitulado VINTE PASSOS PARA A MORTE. Sei que se trata de um filme policial, sobre presidiários que fogem e se vêem cercados pela polícia e envolvidos na disputa pela água de um poço. Como nunca vi um cartaz ou foto desse filme, fico na dúvida: será que esse cerco aos bandidos se dá numa área rural, com pessoas de chapéu, a ponto de sugerir um visual de western? Ou está mais para um visual de filme policial mesmo? Sei que faz muito tempo, mas como sua memória é prodigiosa, espero que vc se lembre para me contar. E se vc tiver visto O TESOURO DE ZAPATA, comente também. Obrigado,