Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

15 de abril de 2008

Trinta anos... A VELHA ARGENTINA

Nós, “los hermanos”, sempre consideramos que os argentinos são os mais desgraçados concorrentes do nosso futebol, no bom sentido e sem ofensas. Depois começaram a aparecer as rixas em comércio, Mercosul, política, fronteiras, os apoios do casal Kirchner ao “hermano” Hugo Chaves, a situação do povão de lá, que agora nem pode mais gozar o prazer de um bom churrasco porque anda faltando boi e, consequentemente, faltando carne. A gloriosa Argentina está virando uma zorra, o que é uma pena porque um dos prazeres do brasileiro sempre foi visitar Buenos Aires e curtir o clima europeu da belíssima capital com seus cafés, livrarias, avenidas e tudo o mais que a cidade nos oferece, sem contar os outros locais freqüentados mais pelos ricos e novos ricos brasileiros que tomam porres com a atual cotação do dólar. Mas, parece, não anda mudando pouca coisa na vida argentina, basta ler, como li no início desta semana, no “Estadão”, uma nota de vinte e uma linhas informando – notícia da agência France Presse – que um deputado de nome Lorenzo Pepe pediu que seja proibida a veiculação, pela televisão, de um episódio do desenho “Os Simpsons”. Com certeza, o tal de Pepe deve ser um daqueles fanáticos peronistas que ainda acreditam que os fantasmas de Juan Domingo Perón e da então primeira dama Evita – nada a ver com a Madona no musical do cinema – ainda voam sobre a calle Florida e arredores, assombrando os que atacam de uma forma ou outra os seus nomes santificados. Coisas assim nos fazem lembrar certos episódios tipicamente nacionais, isto é, brasileiros, e que lembram também as épocas negras em que a Censura baixou firme por aqui só porque diziam que o pescoço do marechal de plantão era curto, o outro que apareceu depois nunca havia lido nenhum livro e, portanto, pra eles, censurar era coisa tão corriqueira como acreditou o nosso companheiro jornalista que passou seis meses em cana porque disse, na sua crônica, que a cabeça do Duque de Caxias, a estátua dele em frente à velha Rodoviária, era um depositório dos cocos dos pombos.
O nosso amigo argentino Lorenzo Pepe pediu a censura ao desenho dos Simpsons alegando que um dos personagens chama Juan Domingo Perón de ditador. Perón foi presidente argentino três vezes, entre 1946 e 1974, e seu carisma entre o povo argentino é comparado aqui ao nosso getulismo, ademarismo, malufismo e outros tantos ismos que temos na nossa política. Convenhamos: esse deputado deve ser um debilóide, porque acha que ninguém, menos algum argentino, acredita que Perón foi um ditador que encabeçou o regime militar, mandou centenas pro espaço, faturou milhões em cima dos alemães que acolheu depois do fim da Segunda Guerra e só ficou no procênio por causa da aura de sua mulher, Evita, que bancou a barra pesada na época.
A nota informa que não foi a primeira vez que o desenho dos Simpsons, conhecidos em todo o mundo, provocam atos desse tipo, reacionários e de indignação. Em 2002, um episódio do seriado que fazia piadas com o Brasil, mostrando um retrato negativo e estereotipado do País, também entrou na listinha dos que o consideraram ofensivo a nós, brasileiros, como se isso fosse afetar a nossa economia, manchar o Cristo Redentor, passar imagens fajutas da Bahia ou de São Paulo, informar que Aleijadinho era um Michelangelo tupiniquim e que Niemeyer copiou o plano diretor de Brasília. Ora, será que os argentinos não têm nada mais que os precupem senão ler besteiras desse tipo?. Será que a economia por lá anda às mil maravilhas, a política idem, o povão também?.
O fato é que, passados tantos e tantos anos depois das censuras religiosas e políticas, do nazismo, do fascismo, do comunismo, do famigerado macartismo norte-americano que acabou com a carreira de tanta gente competente de todas as Artes, desde o cinema até a literatura, ainda tem gente que sonha com os velhos tempos do “Farenheit 451” – lembram? – o filme do diretor François Truffaut (1967), futurista, que mostrou como o governo totalitário proibia e mandava queimar qualquer exemplar de livro porque considerava o material escrito como ameaça à segurança pública.
Para nossa sorte, tanto o cinema quanto as outras Artes souberam driblar a ofensiva dos censores que existem desde que inventaram as prostitutas. E não serão os Simpsons, com suas piadinhas, que irão derrubar repúblicas ou ditaduras, como pensa o deputado argentino. Se ele acha que é o guardião da moralidade, é porque nunca leu nada sobre os velhos tempos. Cinema, teatro, música, histórias em quadrinhos, os gibis as velhas guardas, foram sempre alvos de manifestações reacionárias. Havia sempre um maldito espião achando que por trás das tiras dos jornais tinha um comunista comedor de criancinhas pronto para o bote no capitalismo..E a merda se espalhava como uma descarga de preconceitos inaceitáveis. No álbum “Histórias em Quadrinhos e Comunicação de Massa”, editado aqui em São Paulo por ocasião do Simpósio Internacional promovido pelo MASP e Escola Panamericana da Artes, em 1970, ou 1969, nem lembro mais, , já se dizia que “desde a sua criação, os comics tinham sido objetos de numerosos ataques”. Os quadrinhos sugiram no século 15, os desenhos animados vieram muitos anos depois. Mas os quadrinhos, desde antes da primeira guerra, foram acusados de semear desrespeito e insubordinação “no espírito das crianças pela glorificação de moleques atrevidos e anarquistas como o “Yellow Kid” ou “Os Sobrinhos do Capitão”, e de representar para seus jovens leitores uma perda de tempo e de atenção”. A censura americana fez com que alguns jornais importantes do país, como o “Boston Herald”, cancelassem as suas páginas de historietas, que só voltaram porque os leitores exigiram. É que, com menos dinheiro nos cofres por causa da queda nas tiragens, os donos entenderam que americano começava a ler jornais pelas páginas das historietas, e nunca pela política, cultura, economia ou o que fosse. Aliás, é o que faço até hoje: sem ler as tiras diárias de alguns personagens tipo “ Sargento Zero” ou “Calvin”, começo a relembrar os velhos tempos em que se liam os gibis de Mandrake, Fantasma, Tarzan, Nyoka, Jim das Selvas, Roy Rogers, Zorro e outros tantos nomes que povoaram a nossa imaginação.
O diabo é que, depois de guerra e com o aumento de deliquência juvenil, os ataques às histórias em quadrinhos aumentaram. No álbum, diz-se que, “acusando-a de solapar a moral da juventude, psicólogos, pedagogos e demagogos de todas as facções políticas prepararam contra as histórias em quadrinhos um assalto em massa que culminou em 1954 com a publicação do livro “A Sedução dos Inocentes”, do dr. Frederic Wertham. .Ele, servindo-se de exemplos cuidadosamente escolhidos – informa o álbum - , de desenhos truncados e de algumas vezes verdadeiras falsificações, o bom doutor, psiquiatra por profissão, procurou demonstrar com uma generalização abusiva que “esses comics, culpados de engendrar todos os pecados e vícios da terra – inclusive alguns que acreditávamos desaparecidos depois da destruição de Sodoma e Gomorra – eram a fonte de todos os nossos problemas”.
Na semana passada, lendo um artigo de Sérgio Augusto no “Estadão”, intitulado”Quando os Gibis Conheceram o Fogo da Inquisição”, comentando o livro “The Ten-Cent Plague, de David Hajdu, ele se refere ao ilustre dr. Frederic Wertham como o sujeito que entrou para as histórias em quadrinhos “como um vilão mais temido que Lex Luthor e o Dr.Silvana”. Lembram deles?. Luthor, o arquiinimigo do Super-Homem, Silvana o maquiavélico inimigo do Capitão Marvel., Wertham, diz o artigo, combateu implacavelmente todos os super-heróis do seu tempo, e não foram poucos. Por isso levou para o cemitério o epitáfio de “o McCarthy dos quadrinhos”, lembrando sempre que Joseph McCarthy foi o carrasco na caça aos comunistas na América e atolou Hollywood de delatores. Agora, como que copiando os nefastos exemplos dos dois, Wertham e McCarthy, o Pepe argentino quer censurar Simpsons e companhia. Logo vai implicar com Branca de Neve e os Sete Anões alegando que se trata de uma história de perversões sexuais.

Um comentário:

Unknown disse...

Olá Orlandinho. Hoje estou dando uma olhada em seus comentários do ano passado, e estou rindo especialmente, com essê maluco que queria censurar os Simpsons. Argentino tá precisando ter o que fazer, se não tem, tá fazendo merda. Vamos nos ver em breve. Aquele abraço, Lalá.