Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

31 de janeiro de 2008

RIDÍCULO FASCISTÓIDE

O título acima é propriedade do jornalista Paulo Francis em um artigo que publicou em sua coluna na “Folha de S.Paulo”, antes da estréia, aqui, do filme “O Franco Atirador”, do diretor Michael Cimino, de 1978, originalmente “The Deer Hunter”, literalmente “O Caçador de Veados”. Falava sobre metalúrgicos da Pensilvânia convocados para lutar na guerra do Vietnã. Francis dizia, então, que o filme havia sido encampado pela direita norte-americana como prova de altruísmo e patriotismo (“sem falar na inocência e candura”) dos americanos na Indochina. “A esquerda considera o filme uma fraude absoluta, uma tentativa racista, semi-fascistóide de iniciar uma revisão dos crimes cometidos pelos EUA na Indochina”. E, diante de tanta polêmica, ele, Francis, que não pretendia assistir o diabo do filme, acabou cedendo e foi. Pior pro filme que, premiado naquele ano com cinco estatuetas de Hollywood, acabou esculhambado pelo crítico brasileiro na época morando lá em Nova York.
Não que a crítica tivesse significado muito, porque, nas bilheterias, “O Franco Atirador” foi um sucesso, como foi sucesso o também ridículo e fascistóide “Os Boinas Verdes”, presente do ultra americanóide John Wayne aos americanos que apoiavam a guerra no Vietnã. . Bem, não importa. A menção ao filme, e à crítica do jornalista brasileiro, vem à tona porque, se quase sempre foi vocação do cinema americano bancar a defesa intransigente dos valores do “american way of life”, até hoje os ranços da caça às bruxas permeia o cinema, a literatura, a imprensa etc etc etc. Na segunda-feira, 28 de janeiro agora, em artigo no “Estadão” intitulado “Espasmo Obscurantista” , o professor Carlos Alberto DiFranco disse que a universidade européia sofreu um espasmo desse tipo quando 67 professores da Universidade La Sapienza, de Roma – tem 4 mil e 500 docentes – incitaram uma centena de alunos a se manifestarem contra a presença do papa Bento XVI na abertura do ano letivo da instituição, alegando que o papa, um intelectual reconhecidamente brilhante, representaria “um ataque ao vanguardismo e à modernidade”. Resultado: Bento XVI cancelou a conferência certamente para evitar constrangimentos. Na Universidade, fundada pelo papa Bonifácio VIII em 1303, o texto preparado por Bento XVI, “uma fascinante viagem da filosofia em sua busca da verdade” – disse o professor DiFranco – foi lido sem a presença dele e longamente aplaudido pelos presentes ao ato acadêmico.
“Na verdade, o que se viu foi a apoteose da burrice, do laicismo intolerante e da mediocridade”, diz o professor DiFranco em seu artigo no “Estadão”. E vai além: “O laicismo fundamentalista pós-moderno não é apenas uma opinião, um conjunto de idéias ou uma convicção, que se defende em legítimo e respeitoso diálogo com outras opiniões e convicções, como é próprio da cultura e da praxe democrática. Trata-se, infelizmente, de uma “ideologia”, ou seja, uma cosmovisão – um conjunto global de idéias, fechado em si mesmo – que pretende ser a “única verdade racional”, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na legislação, na educação, etc...
O professor DiFranco se refere, em seu artigo, a “uma nova Inquisição”, aquele movimento religioso – também conhecido como “Santo Ofício” – que era um tribunal eclesiástico investido na função de investigar e punir os considerados crimes contra o catolicismo, ou a fé católica. E daí? – perguntariam os que lêem este material. Primeiro, porque o artigo do professor Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética – Brasília precisa dele, não é? – e especialista em Comunicação, levanta uma questão que ainda hoje ferve nas nossas artérias: até onde vai a nossa liberdade de pensar e exprimir aquilo que pensamos?. Alguém não se lembra, por exemplo,das recentes ameaças contra os órgãos de imprensa que fustigaram – e continuam fustigando – o Governo corrupto instalado no país?.
Inquisição apareceu na Idade Média para combater as heresias, e os julgados heréticos eram, na maioria, levados à morte, quase sempre obrigados a confessar sob tortura. E o artigo assinado pelo professor DiFranco me fez lembrar um filme que revi recentemente, “Testa de Ferro Por Acaso” {1976, direção de Martin Ritt, com Woody Allen, disponível em boas locadoras e recomendável), que trata exatamente naquela Inquisição instituída nos Estados Unidos a partir do início dos anos 50 e mais conhecida pelo famigerado nome de “Mccarthysmo”. Se alguém pensa que tudo aquilo tivesse acabado, ledo engano. A caça às bruxas está mais ativa do que nunca, e com certeza não vai morrer tão cedo. O diretor Martin Ritt (Norma Rae) disse, na época do lançamento do filme, que sua obra aborda “os maus tempos que, lamentavelmente, podem voltar qualquer dia destes”. Por acaso o que tentaram fazer com o papa Bento XVI não é obra de um novo macartismo, ou de uma nova Inquisição?
O período das listas negras do macartismo começou em 47, quando a Comissão de Atividades Antiamericanas da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos iniciou a série de interrogatórios na tentativa de descobrir quem era comunista – na época “comedor de criancinhas” – e tinha influência sobre os filmes de Hollywood. Pra pegar fogo, basta você acender o pavio. Alguém acendeu, e o fogo se alastrou com base numa idéia surgida antes, em 1939, quando o deputado Martin Dies - que certamente tem vários clones no nosso Congresso – viu “Confissões de Um Espião Nazista”, filme do diretor Anatole Litvak, com Edmund G. Robinson, e com certeza não gostou. Tanto que sugeriu a instalação de um grupo – hoje seria, aqui, uma nova CPI – para cuidar de quem fazia propaganda vermelha no cinema.
A turma da repressão entrou firme em 47, outubro exatamente, interrogando, de cara, 106 roteiristas, 36 atores, 11 diretores, seis músicos, quatro produtores, três dançarinos e 44 técnicos de várias áreas. A tropa toda de “comunas” estava impedida de trabalhar, pelo menos no cinema, sob a acusação de “atividades subversivas”. A pergunta que se fazia aos “delinqüentes” era uma só: “Você é ou foi alguma vez membro do Partido Comunista?”. Da resposta dependeria o futuro do ator, atriz, diretor, músico, técnico ou o que fosse. Era o céu – o perdão – ou o inferno, este para aqueles que se recusaram a responder e ainda indicar nomes de simpatizantes do comunismo. Dez deles peitaram os inquisidores e foram em cana, desde Dalton Trumbo (o diretor de um filme só, “Johnny Vai à Guerra”, excelente panfleto antibélico) até Herbert Biberman, Samuel Ornitz, Adrian Scott, Lester Cole, Albert Maltz, Alvah Bessie, John Howard Lawson, Ring Lardner e Edward Dmytryk, do faroeste clássico “Minha Vontade é a Lei”. Alguns outros chamados a depor preferiram se mandar dos Estados Unidos, como o escritor e dramaturgo Bertold Brecht, o diretor Joseph Losey (“O Mensageiro”) e, claro, Charles Chaplin, com certeza considerado vermelho por causa dos seus filmes e discursos onde defendia os oprimidos como seu personagem Carlitos.
Nos anos 50, com o respaldo do senador McCarthy – daí o termo “macartismo” – o negócio evoluiu pra pior. A caça ás bruxas, antes só restrita à turma do cinema, foi parar na televisão. Criou-se a figura do perdão para os que confessassem arrependimento e colaborassem, ou seja, instituiu-se o dedodurismo, o alcagüete, figuras muito bem conhecidas no nosso ambiente político e, principalmente, nos anos de chumbo que vivemos sob a ditadura militar. E foi então que Hollywood viu nascer a “lista negra 2”, continuação da primeira, com mais 324 nomes denunciados em depoimentos de dedo-duros como Ronald Reagan – anos depois presidente -, Gary Cooper, Robert Montgomery, Adolphe Menjou, Louis B.Mayer, Jack Warner, Lee J.Cobb e Edward Dmytryck, que mandou seu pedido de arrependimento e foi salvo da guilhotina. E outro, o diretor Elia Kazan (“Sindicato de Ladrões”), que tem uma curiosa história de vida. Acompanhem.
O jornalista Barry Gewen , editor do “New York Times Book Rewiew”, escreveu há alguns anos que provavelmente nenhum outro cineasta americano dominou uma época como Frank Capra que, nos anos 30, em pleno poder, já faturava três Oscars, era o mais bem pago da indústria do cinema, foi capa da “Times” e fazia propaganda para a fábrica de cigarros Philip Morris. No comercial, dizia o seguinte: “Eu fumo muito quando dirijo um filme. Gosto de fumar cigarros da Philip Morris porque não irritam tanto a garganta e isso é importante quando se usa muito a voz no seu trabalho”. Não sei do que ele morreu, talvez de câncer. Se fizesse um comercial desse tipo hoje, lá nos Estados Unidos ou aqui, seria certamente execrado. Mas, fumando ou não, Capra levava multidões aos cinemas com seus filmes politicamente corretos – “O Galante Mr.Deeds”, “Do Mundo Nada se Leva”) que, segundo muitos, eram verdadeiras parábolas sobre pessoas comuns forçadas a enfrentar a ganância e a corrupção dos ricos e poderosos. Diziam que a influência de Capra era potencialmente tão forte quanto a do presidente Franklin Roosevelt e, na época em que o país estava atolado na Depressão – quase como hoje com o
'crash' do setor imobiliário – ele salvava a alma dos pobres, dos chamados “heróis comuns”, usando as histórias otimistas e os atores preferidos, Gary Cooper, James Stewart e Clark Gable, perfeitos para os personagens que celebravam, principalmente, as virtudes dos ingênuos vindos das cidades do Interior.
Os filmes caprianos se identificaram com os ideais do presidente Roosevelt e seu grande projeto de reconstrução nacional, o “New Deal”, que era uma espécie de PAC do nosso Lula. Com uma diferença: Roosevelt criou e cumpriu, até certo ponto. Lula nem até o certo ponto. Ao menos até agora, época em que loteamento de cargos por obrigações políticas nos indicam que vamos ter um general comandando a UNE, um médico no Ministério dos Transportes, um economista no Ibama e, quem sabe, alguém em um novo Ministério – o dos Cartões de Crédito governamentais – para saciar a insaciável ministra Matilde Ribeiro, da Igualdade Racial, que na verdade não defende nem brancos nem negros, nem mulatos ou amarelos. Defende mesmo é o seu, e como.
O diabo é que nós, críticos, jamais descemos o pau em Frank Capra. Por quê? Simples. Quem é que não torce pelo mocinho babaca que sai do Interior, recebe milhões de dólares de um parente que nunca viu, vai para a cidade grande e descobre que lá não é o seu lugar porque todo mundo está mesmo interessado em sua grana. E que, altruisticamente, e como gosta o americano, decidia dividir tudo com os pobres. Aliás, a nova versão de “O Galante Mr.Deeds” é um lixo. Sugiro a versão original, com Gary Cooper. Nossas reverências aos filmes de Capra foram acertadas. Ninguém errou ao elogiá-los, e ainda hoje nós os vemos, em DVD, com aquele velho espírito do Bem destruindo a maldade, o bom mocinho dando exemplos aos bandidões da política – o senhor Deeds faz falta aqui, seria um competente senador – e, portanto, respeitamos a nós mesmos e aos nossos valores éticos e morais, bases do New Deal que o cinema de Capra representou. Mas, numa biografia lançada há alguns anos, “Frank Capra: a Catástrofe do Sucesso”, o autor, Joseph McBride, jurou que o homem que levou para o cinema o espírito do New Deal era, na verdade, “um reacionário enrustido e um opositor das medidas empreendidas por Roosevelt”. Será?.
Frank Capra conseguiu enganar todo mundo, e até mesmo sua mulher não tinha conhecimento da posição política do cineasta. O autor pesquisou e verificou que vários companheiros de trabalho – quase todos dos Democratas – acreditavam que ele, Capra, tinha os mesmos ideais. Mas, quando se trata de discutir idéias, o caldo engrossa. Publicações como a “Variety”, por exemplo, acusavam alguns dos personagens de Capra de serem “semicomunistas”. E o “The Saturday Evening Post” chegou a afirmar que Capra era venerado como “um camarada na então União Soviética”. Verdade ou não, McBride, o autor da biografia, afirma que Capra foi sempre um republicano, nunca votou em Roosevelt e admirava Franco e Mussolini. Mais tarde, na época do macartismo, ele teria sido informante do FBI, mas sua imagem de esquerdista nasceu em depoimentos dos que trabalharam com ele.
Essa vida secreta de Capra é apenas uma das muitas que os livros registram, envolvendo Hollywood e sua fauna, em parte, só surgiu por causa do macartismo e de sua participação – ou não – nesse maquiavélico sistema repressor. E tem a ver com o artigo do professor DiFranco sobre as estapafúrdias manifestações contra o papa Bento XVI. Artigo que ele conclui dizendo que “os 67 mestres da La Sapienza são a antítese da racionalidade e do espírito científico. São, de fato, paladinos de uma nova Inquisição”. Portanto, qualquer semelhança com inquisidores e macartistas não é mera coincidência.

QUELÉ DO PAJEÚ

Pedido da visitante Mariana, reprodução da minha crítica sobre o filme “Quelé do Pajeú”, de 1/5/1970, na “Folha de S.Paulo” (Ilustrada).

QUELÉ DO PAJEÚ

Um ar de produto sofisticado impede que “Quelé do Pajeú” seja, realmente, um grande filme brasileiro porque detem algumas das características principais da história de Lima Barreto (o escritor, não confundir com o diretor de “O Cangaceiro”), vista numa tela de 70 milimetros e ouvida em som estereofônico. “Quelé” não é a melhor obra do diretor Anselmo Duarte (ainda hoje, 2008, continuo elegendo “Vereda da Salvação”, mais vigoroso do que o premiado “O Pagador de Promessas”), mas é a maior, a mais espetacular, aquelaque mais se assemelha aos épicos que pouco a pouco perdem o seu lugar no cinema.Essa grandiosidade, porém, não impede que Anselmo Duarte cumpra o seu objetivo e realize uma obra destacada na sua análise, no aprofundamento sobre os problemas e na visão correta de uma realidade. O filme atinge os seus fins com uma narrativa bem elaborada e pela qual consegue, apesar dos escorregões, envolver as platéias sem grandes apelos.
Influenciado em algumas seqüências pelo “western” e em outras por sua vocação em tratar temas regionais, Anselmo Duarte transforma a história de Lima Barreto num filme onde o denominador comum é a violência. É a partir do momento em que vê sua mulher ser violentada que o pacato sertanejo Clemente Celidônio, ou Quelé, começa a se transformar num ser despojado dos seus conceitos de Bem e Justiça, e sai de sua cidade, Pajeú das Flores, em busca de vingança, corroído pelo ódio, envolvido por um ambiente rude e hostil. Na sua trajetória, Quelé passa a ser um justiceiro do sertão, acompanhado por Maria do Carmo (Rossana Ghessa) e obsecado pela idéia de encontrar o desconhecido responsável pela violência contra sua mãe e sua irmã. Quando a missão acaba, ele já é um homem marcado pela necessidade de sobreviver através das armas, já é uma vitima do ódio e da brutalidade do seu meio.
À odisséia do personagem, Anselmo Duarte adiciona aventura, violência, sexo, amor e delírios, elementos dos quais se cerca para a construção de uma narrativa convincente, de clima sempre carregado, de situações dramáticas que transmitem bem os problemas de Quelé e fazem com que o espectador, assistindo as perseguições e injustiças cometidas contra o homem oprimido, perdoe os pecados do personagem e veja nele o símbolo do sujeito desesperado em busca de uma solução violenta numa paisagem onde as condições de sobrevivência não permitem a existência dos fracos. Os artificialismos existem, mas são raros.O nível cai algumas vezes, mas essas quedas instantâneas não comprometem um trabalho vigoroso, elaborado segundo uma visão que penetra nos aspectos psicológicos, sociais e religiosos de uma região onde as constantes são a violência, sexo primitivo, fanatismo e misticismo.
Distribuindo bem esses elementos, jogando entre eles uma relação sentimental que prende Quelé a Maria do Carmo, e outra sensual com Maria Rita (Isabel Cristina), o diretor chega a um filme de cangaço que se assemelha aos faroestes peisológicos, retratando a odisséia rural num tom épico-romântico despojado dos falsos clichês, e leva seu personagem principal a um final onde a solução é o grito de revolta.
Anselmo Duarte poderia, no caso, ter feito um filme sereno, sem as explosões que se sucedem. Mas optou pela grandiosidade e acabou gastando bem o seu orçamento de um bilhão de cruzeiros porque não permitiu que o espetáculo em si contaminasse a sua idéia de expor e analisar problemas do homem diante de uma situação violenta e cruel. Seu trabalho é seguro, apoiado num bom argumento, na música, na fotografia de José Rosa e no desempenho de um Tarcisio Meira que procura evitar os maneirismos de galã da televisão e adota uma interpretação correta. Rossana Ghessa, Jece Valadão e Sérgio Hingst aparecem bem em seus papéis, enquanto Isabel Cristina cumpre sua missão de fornecer à história a presença de uma mulher agressivamente sexy, uma espécie de Brigitte Bardot das caatingas.

24 de janeiro de 2008

"O CANGACEIRO" VEM AÍ

Os cinéfilos podem aguardar. Brevemente, esperamos, vai chegar em DVD nova cópia do clássico nacional “O Cangaceiro” de 1953, realizado pelo excêntrico Lima Barreto, prêmio de melhor filme de aventura no festival de Cannes daquele ano. Obra de um diretor de apenas dois filmes – este clássico e “A Primeira Missa”, de 61 – chegará às locadoras acompanhado de um documentário que vem sendo dirigido pelo estreante Paulo Duarte, com depoimentos de pessoas que conviveram com Lima Duarte, bem ou mal, incluindo aí Anselmo Duarte (‘O Pagador de Promessas’), Fernando Meirelles (‘Cidade de Deus’), a atriz Vanja Orico - que no filme cantou “Muié Rendera” – e parentes dos atores Alberto Ruschel e Milton Ribeiro, além de outros como eu, que pouco convivi com Lima Barreto mas tive uma boa experiência com o diretor pouco antes de sua morte, em 1982, abandonado pela classe cinematográfica.

Lima Barreto não morreu, escrevi na “Folha de S.Paulo” (Ilustrada) em 20 de setembro de 81. Creio ter sido um dos últimos – ou o último – jornalistas que entrevistaram o diretor de “O Cangaceiro” acompanhado do veterano fotógrafo Gil Passarelli quando o velho Lima estava vivendo num asilo situado entre o bairro de Bonfim e a Vila Proust de Souza, em Campinas. Lima Barreto morreu alguns meses depois, mas em 81 não estava nem gagá, nem à beira da morte ou agonizando, como disse na época um deputado federal ao sugerir que o ministro da Educação fizesse alguma coisa por ele, invocando a desatenção que foi dada a Glauber Rocha quando internado em Portugal..

Lima dizia já ter morrido simplesmente porque desprezava as entrevistas, não gostava de conversar com ninguém, principalmente jornalistas, e odiava gastar o que ainda lhe restava de tempo com pessoas que, na sua concepção, não eram cultas o suficiente para discutir com ele. E despachava todos dizendo que o mito estava destruído. Mas em 81 ele vivia lúcido, já com 75 anos, escondido de tudo e de todos. Fomos, eu e Gil, até o asilo em Campinas, e a intenção era entrevistar o cineasta. Uma tarefa difícil, primeiro porque as religiosas que dirigiam o asilo – ou orfanato – faziam uma espécie de capa protetora para ele. Depois porque, sem nenhuma perspectiva de entrevista, nos vimos obrigados a pular o muro da instituição, que não era baixo para nossas idades, e depois tentar, lá dentro, driblar a vigilância das irmãs e localizar o paradeiro do velho Lima.
Fomos encontrá-lo no refeitório, uma ampla sala onde ele assistia televisão sentado num sofá de couro, absorto, abandonado, mergulhado na “impenetrável solidão da velhice”, como diria Gabriel Garcia Marques no seu “Cem Anos de Solidão”.

Mas não era nenhum indigente. Estava há um ano naquele bucólico lugar, não no asilo e sim num pensionato anexo, pagando 20 mil cruzeiros mensais para ter direito ao sossego que queria, aos cigarros que fumava sem parar e aos remédios que precisava para aliviar as dores na coluna. Na época dizia-se que sofria de câncer, ou de tuberculose, mas as religiosas que cuidavam dele desmentiam.Tinha passado por vários tratamentos médicos e depois, por vontade própria, decidiu pelo asilo. O dinheiro vinha de uma ajuda da Secretaria estadual da Cultura. “O Cangaceiro”, seu único sucesso, rendeu 200 milhões de dólares para a Columbia, que comprou da Vera Cruz os direitos de distribuição do filme em todo o mundo, num acordo ingênuo e até hoje nebuloso. Para Lima Barreto, “O Cangaceiro” rendeu pouco mais de 200 contos nos anos 60.

Ele optou pelo asilo porque já conhecia o lugar, estivera lá em pior situação três ou quatro anos antes. Ficou internado em São Paulo, foi encontrado num porão no Bixiga até que alguém – não se sabe quem – o levou para o hospital Irmãos Penteado, em Campinas, onde recuperou-se. Mas um dia voltou ao asilo que já conhecia. Em 81, ocupava o quarto número quatro do primeiro pavilhão dos homens. A vida se resumia a ficar lendo na cama ou ir ao refeitório para ver TV. As irmãs diziam que ele era de fato uma figura impertinente, nenhuma novidade para os que o conheceram.. Megalomaníaco, era atirado nas frases e capaz de garantir que “Cidadão Kane” não passava de uma estupidez. Dizia que queria recuperar a saúde para ocupar o lugar deixado por Glauber Rocha porque o cinema nacional tinha morrido. “O cinema brasileiro tinha dois mitos, ele e eu. Morreu o primeiro, o segundo está aqui, com a coluna levada da breca.Minha doença é só coluna”. Indagado se acreditava que poderia se recuperar e voltar a filmar, contou uma história em “primeira mão”: “Eu e o Glauber planejamos fazer um filme juntos. Ele disse, certa vez, que “O Cangaceiro” era um grande filme mas tinha um grande defeito, era comercial e não tinha profundidade. Eu respondi: os seus são grandes filmes mas tema os seguintes defeitos: não tem nada de comercial e só têm profundidade. Então, vamos fazer um filme juntos, eu ponho o comercial e você põe a loucura. Ninguém entende os seus filmes, nem mesmo você. Ele concordou”.

Lima Barreto dizia que havia realizado “O Cangaceiro” porque o cinema brasileiro precisava de uma obra vigorosa para que pudesse ser descoberto no Exterior. “Aí, então, nasceu o cinema nacional. Os cineasnos quiseram imitar e só fizeram besteiras”. Era assim, enfático, e quando alguém se metia a discutir cinema nacional ele mudava de página dizendo “não há cinema brasileiro, ele não existe, ele morreu”. Em 81, nessa entrevista obtida a forceps, Lima dizia ter oito argumentos prontos para serem filmados, desde “Inocência” até Um Certo Capitão Rodrigo”, “A Retirada da Laguna”, “Plácido de Castro” e “Aprendiz de Cangaceiro”, onde queria mostrar que Lampião era um bom homem e não um fascinora. Mas cahava impossível porque, segundo ele, os produtores pensam logo no que vão gastar e quanto o filme pode render. “o diretor quer apenas criar, nunca pensa em dinheiro, que é coisa do seu Massaini (o produtor Oswaldo Massaini). O diretor improvisa. O Stroheim fez um filme que tinha três horas e meia no papel e quando ficou pronto tinha nove horas”.

Tragando um Hollywood atrás do outro, Lima Barreto não perdoava as telenovelas: muito pasteurizadas. Elegia “Os Ossos do Barão” a melhor de todas, mas não teve êxito porque o tema era paulista. “Mas se houvesse um Oscar, o Paulo Gracindo ganharia, assim como o Dionísio Azevedo quando interpretou “A Primeira Missa”, a melhor interpretação masculina que já houve neste país”.

Antes e depois de “ O Cangaceiro”. Era assim que Lima Barreto definia o cinema brasileiro. “Depois de “A Primeira Missa” não tive apoio para filmar mais nada, não havia dinheiro nem compreensão do Governo. Os produtores estavam naquela de mulher pelada e hoje filme bom é “A Dama do Lotação”...minha besteira foi não ter aceito nenhum dos convites que recebi para ir embora daqui, Polônia, França, Portugal, Espanha, Suíça e outros países. “O Cangaceiro” foi exibido em 190 países e ganhou 36 prêmios. O melhor foi na Venezuela, uma medalha de ouro do tamanho de um pires e mil dólares. A medalha está com meu filho. Artista está sempre na merda, precisa mesmo é de dinheiro. Não adianta dar a ele papel pintado pra enfeitar paredes. O único Governo que não me mandou nem um bilhete de felicitações por “O Cangaceiro” foi o brasileiro. É ou não é um país de merda?”.

Quis saber de Lima Barreto se ele tinha algum pedido a fazer, ou algum apelo. Resposta: “O apelo que eu faria é ao Demônio, pra restaurar a minha saúde”. E por que não a Deus?, indaguei. “Não, ao Demônio. Deus dá a dor só pra provar a força do Diabo. Eu dou a dor, Ele que me cure. E agora já chega: você cozinha essa merda toda e publica”. Foi assim o fim da entrevista. Ele sai da sala sem despedidas e retorna à sua solidão.

FRASES E HISTÓRIAS I

Acho legal criar uma não sei o quê, porque não entendo nada de informática, citando frases dessa turma louca do cinema, daqui e de fora. Existem loucos, malucos, débeis mentais, gozadores, falsos profetas, imbecis, bêbados, bajuladores, sacanas, vagabundos, cornos, traidoras, primas donas, prostitutas, cafetões e vai por aí. Uma raça onde se misturam o ódio e...o ódio. E criam, nas suas verberações, algumas pérolas que não devem ficar ignoradas por aqueles que gostam de cinema, além de gostarem daquilo que os bandidos ou mocinhos falam, nas telas e fora delas, preferencialmente do lado de fora porque aí poucos ouvem e poucos registram. Vamos ver se achamos um pouco delas dentro das ostras boas ou podres, mas só pra rir.

“Que tal a gente relembrar os velhos tempos dormindo na cama?”, pergunta ele à ex-mulher.
“Só se for por cima do meu cadáver”, responde ela.E ele:
“É, foi sempre assim”. (Woody Allen).

Ao mesmo Woody Allen alguém perguntou: “Há quanto tempo você não faz sexo?”. E ele:
“A última vez que entrei numa mulher foi na estátua da Liberdade”.

“O problema do cinema brasileiro é não ser estrangeiro”. (Roberto Santos, diretor brasileiro de “A Hora e Vez de Augusto Matraga”).

“No cinema brasileiro, quando se põe muita gente em cena, a gente acaba filmando procissão”. (João Batista de Andrade, cineasta brasileiro de “Doramundo”).

“Você já viu ‘Sansão e Dalila’”?
“Eu nunca assisto filme onde o mocinho tem mais peito do que a mocinha.”. (Groucho Marx, comediante americano)

“O homem é infeliz porque tem vergonha de ser criança de vez em quando”. (Walt Disney).

“O traseiro é a sede da nossa dignidade”. (Charles Chaplin, Carlitos, que em quase todos os seus filmes cansou de chutar a bunda dos policiais que perseguiam o vagabundo).

Um magnata de Hollywood discutia projetos de novos filmes com o irmão, seu sócio, e dizia que tinha planos para uma nova versão de “Destinos Cruzados”. Já tinha escolhido o elenco . Seria a história de uma ricaça de pequena cidade do Interior da Irlanda (Deborah Kerr) que cai em desgraça quando os habitantes do lugar descobrem que a mulher era caída pelo vigário da cidade vizinha (Gregory Peck). O filme seria lançado junto com um concurso entre os espectadores e ganharia 500 dólares aquele que matasse a charada existente na história. “E qual é a charada?, perguntou o irmão. “A charada é esta: a Débora Kerr que o Gregory Peck”.

TO BE CONTINUED...

CINEMA E CARNAVAL

Hoje é 24 de janeiro de 2008. Ou seja: em uma semana vai rolar a bagunça carnavalesca que toma conta de todo o país, já que nascemos carimbados sob o signo do povo que mais curte samba no Carnaval e futebol o ano inteiro, mais um dos mesmos anos em que esquecemos as cinzas da nossa imunda política, das crises que certamente virão na saúde, na geração de energia, na educação etc etc etc. Mas, como somos conformistas, vamos rezar pela cartilha de dona Martha, aquela que recomendou a cento e oitenta milhões de brasileiros um santo remédio: relaxar e gozar. Isso poooode!.

As entidades que cuidam de cinema poderiam programar para estes dias uma retrospectiva com alguns dos mais representativos filmes carnavalescos produzidos pela Atlântida ou pela nossa – paulistana – Vera Cruz. Duvido que alguém da geração com menos de 40 anos se lembre de algum título, mas tivemos vários deles.Carnaval e futebol são dois fenômenos de massa que nunca foram explorados do ponto de vista sociológico. O futebol só com os recentes filmes que narram os deliciosos encontros dos “Boleiros” do diretor Hugo Giorgetti, ou o documentário de Aníbal Massaini sobre Pelé. Nada mais.

Carnaval já deu muito samba no cinema. Durante anos a fio, os filmes nacionais usaram e abusaram da festa de Momo, basicamente em comédias rápidas e mal acabadas, mas que ficaram marcadas como registros de suas épocas. O Carnaval era apenas o chamado “pano de fundo”. E filmar desfiles carnavalescos era um suplício para os diretores chanchadescos e para os produtores que preferiam filmar tudo em estúdios. Somente em “A Lira do Delírio”, de Walter Lima Júnior, o cinema saiu às ruas para focar a folia carnavalesca carioca que desembocava popularmente no bloco que dá título ao filme.

Quem tiver interesse em se aprofundar no estudo das relações entre cinema brasileiro e Carnaval pode procurar informações sobre “Samba da Criação do Mundo”, que Vera de Figueiredo realizou em 1977, que projetou uma espécie de ópera-samba unindo a apoteose de um desfile com seqüências complementares que pudessem incluir uma história.Aí não entra apenas o samba-enredo da Beija-Flor mas também dados sociológicos sobre ritos brasileiros como o candomblé e a filosofia Nagô
Carnaval, afinal, foi um gênero do cinema nacional?. Melhor considera-lo como um incidente. Apareceu aqui e al, como num dos filmes onde Roger Moore, então James Bond, era atacado por inimigos fantasiados de foliões numa rua estreita do Rio. Até mesmo Carlos Diegues deslizou sobre o tema em “Quando o Carnaval Chegar”porque o foco principal era o grupo de cantores – Nara Leão, Chico Buarque, Maria Bethânia e outros – que bancavam os camelôs musicais, cantando desde Lamartine Babo até Herivelto Martins de cidade em cidade.

Os pesquisadores garantem que já em 1908 precursores do cinema nacional como Adhemar Gonzaga e Vicente de Paula Araújo filmavam cenas do corso em Botafogo. Em 1909 surge “Aspectos Populares do Carnaval do Rio”, documentário considerado marco do nosso cinema carnavalesco e do mesmo ano em que Antônio Leal lançava “Pega na Chaleira”, baseado no maior sucesso musical da época. Entre 1908 e 1912 nasceram “O Carnaval do Rio de Janeiro”, “O Castigo do Kaiser” e principalmente “Pierrô e Colombina”, que, segundo a revista “Palcos e Telas”, “não era uma película em que se notem a perfeita nitidez das produções da Paramount, a montagem luxuosa da Goldwyn e os românticos enredos da Universal”.

Sem o som, os filmes precisavam ser acompanhados musicalmente atrás da tela, e o sincronismo quase sempre era um desastre. Mas as platéias aplaudiam músicas como ‘Pois Não’, ‘Fala Meu Louro’ e ‘Pé de Anjo’. Em 1921, os críticos de “A Tela” desceram o pau nos almofadinhas e nas melindrosas cariocas que tinham caído na folia com a marchinha ‘Ai, Amor’, de Freire Júnior, e denunciavam “ausência de moral” em filmes carnavalescos como “O Que se Passou no Carnaval”, “O Que Ainda \não se Viu” e “Carnaval na Praia de Icaraí”. Como se vê, já naquele ano os censores arregaçavam as mangas.

Em 1927 tudo mudou. Al Jolson inaugurava a era do som em “O Cantor de Jazz”, as salas foram obrigadas a instalar os “equipamentos maravilhosos” e as nossas canções passaram a
Satirizar a invenção. Noel Rosa, na marchinha “Não Tem Tradução”, cantava “o cinema falado/ é o grande culpado/ da transformação/ amor lá no morro/ é amor pra chuchu/ as rimas do samba/ não são I love you”.

O até então baixo nível dos filmes carnavalescos só melhorou quando Carmem Miranda apareceu nos estúdios da Rádio Mayrink Veiga cantando ´’Moleque Indigesto’, de Lamartine Babo, e ‘Good Bye’, de Assis Valente, no filme “A Voz do Carnaval”, de Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro, e “Alô,Alô Brasil”, produção da Cinédia, entrou na onda usando boa parte dos cantores da época em números com marchinhas, frevos e sambas tipo ‘Rasguei a Minha Fantasia’, ‘Foi Ela’ – Ari Barroso acompanhava Chico Alves – e “Alô, Alô Carnaval”. O público curtia a inocência das histórias e a graça das canções.
Em 1935, o diretor Humberto Mauro foi ver como era o início do Carnaval nos morros cariocas e rodou “Favela dos Meus Amores” e em seguida fez “Cidade Mulher”, com canções compostas especialmente por Noel Rosa e onde Orlando Silva apareceu nas telas pela primeira vez.

Foi em “Banana da Terra” que Carmem Miranda despediu-se do Brasil cantando ‘Pirulito Que Bate-Bate’, ‘O Que é Que a Baiana Tem’ e ‘Sem Banana Macaco se Arranja’, um filmusical onde também apareciam Orlando Silva com ‘A Jardineira’ e Carlos Galhardo carimbando ‘Sei Que é Covardia’. Em 1940, Chico Alves cantava quase todas as músicas do filme “Laranja da China”, uma delas ‘A Dama das Camélias’. Mas faltava ainda algum outro elemento para o filme carnavalesco. Era o humor. Então chegaram Oscarito, Ankito e Grande Otelo para preencher a lacuna em obras um pouco mais elaboradas que tinham suas tramas vilões tipo José Lewgoy e Renato Restier. As canções passaram a entrar incidentalmente no meio das histórias através de Emilinha Borba, Marlene, Cauby Peixoto,Chico Alves, Ivon Curi e Adelaide Chiozzo, entre outros ídolos das macacas de auditório da Rádio Nacional.

A pesquisadora Regina Paranhos afirma, num estudo sobre Cinema e Carnaval, que, no conteúdo, “descemos ao nível da cloaca” e que a música brasileira era traída com os filmes que incorporavam ritmos latinos, americanos, europeus e de outras origens. Diretores como Watson Macedo, José Carlos Burle, Carlos Manga e JB Tanko deitaram e rolaram sobre o filmusical carnavalesco em chanchadas tipo “Abacaxi Azul”, “Carnaval no Fogo”, “Aviso aos Navegantes” e “Carnaval Atlântida”, partes do grande pacote de filmes que, segundo Regina Paranhos, representaram um atraso formal do cinema brasileiro. “De 1942 a 1960 – afirma – o que fora o reduto do cinema na ional mais puro transformou-se em ponta de lança da desnacionalização, inversão da nossa filosofia de vida, corrupção cultural.”. Mas houve exceções, por exemplo,nos anos 50, em filmes como “Tudo Azul’, de Moacir Fenelon, e “Absolutamente Certo”, de Anselmo Duarte. No final da década, o francês Marcel Camus aportou por aqui e realizou “Orfeu do Carnaval” ou “Orfeu Negro”, que muitos analistas situam como o melhor de todos nossos filmes carnavalescos.
A chanchada morreu, nascia o Cinema Novo. E o Carnaval virou cinza.

18 de janeiro de 2008

AS RAINHAS (Le Fate, 1966, Itália-França)

A estudante de cinema Ana Carolina pediu algumas informações sobre o diretor italiano Mauro Bolognini. Sugiro que procura encontrar nas boas locadoras o filme “As Rainhas”, uma boa sátira de costumes realizada por ele, Bolognini, mais Luciano Salce (“El Greco”, 1964), Antonio Pietrangeli (“O Magnífico Cornudo”, 64), morto num acidente durante filmagens, e Mário Monicelli, o mais conhecido, que fez “O Incrível Exército Brancaleone”. Bons diretores de uma época rica do cinema italiano, aquela dos filmes em “sketches”, como este “As Rainhas”, que tem quatro episódios: “A Rainha Helena” fala sobre um sujeito que, depois de viver uma experiência extraconjugal, é torturado pela suspeita de que sua mulher também o trai; “A Rainha Sabina” mostra como uma jovem, depois de livrar-se de um pobre Don Juan, acaba seduzida por outro; “A Rainha Marta” explora as excentricidades de uma patroa; e “A Rainha da Armênia” discorre sobre um homem, o doutor Aldini, que vive atormantado pelos caprichos e fantasias eróticas de uma cigana. O elenco de “As Rainhas” tem desde Raquel Welch, quando era uma formosura, até Jean Sorel, Mônica Vitti, Enrico Maria Salerno, Capucine, Alberto Sordi e Cláudia Cardinale, na época a musa do cinema italiano. Infelizmente as locadoras não exibem nas prateleiras ao menos alguns dos melhores filmes que a Itália produziu nos anos 60.

POPEYE

Algumas emissoras de rádio noticiaram, na semana passada, que Popeye, o marinheiro comedor de espinafre, estava comemorando seus 80 anos bem vividos ao lado de Olívia Palito, Dudu e Brutus, aquele mastodonte que azucrina a sua vida mas nunca leva vantagem. Creio que houve algum equiívoco na informação. Os 80 anos de Popeye, na verdade, serão lembrados no ano que vem, em 17 de janeiro, quando a figurinha criada por Elzie Crisler Segar nasceu, publicado pela primeira vez nas páginas do “New York Evening Standard”, numa época em que os leitores iniciavam a leitura dos jornais abrindo de cara na página de histórias em quadrinhos.
Portanto, tiraram um ano da vida do marinheiro, personagem que até hoje sobrevive à enxurrada de criaturas que deixam os mais idosos, como eu, com saudades dos velhos tempos em que líamos as aventuras de Mandrake, Fantasma, Flash Gordon, Tarzan e outros tantos heróis e anti-heróis que, além dos gibis, faziam a festa da molecada nas matinés acompanhando os velhos seriados. Se você é dessa época, veja se adivinha o nome do cavalo do Fantasma, da namorada do Mandrake ou alguma coisa sobre a história de Tarzan.
Embora seja muito melhor nos gibis, Popeye acabou, como outros personagens, parando também nos cinemas, mas nenhuma tentativa de usar atores vivos para suas aventuras acabou dando resultados capazes de fazerem jus ao velho marinheiro de cachimbo, mesmo com diretores talentosos como Robert Altman (“Mash”), que realizou, em 1980, uma tentativa onde Robin Williams fazia Popeye sem muita convicção, apesar do roteiro escrito pelo ótimo Jules Feiffer. Ficou muito melhor nos desenhos animados depois que o estúdio de Max Fleischer comprou de Segar os direitos para transformar o marinheiro em personagem de animação. Foi um sucesso. As aventuras de Popeye, nos gibis, acabaram sendo publicadas em 25 países, em mais de 600 jornais, e contribuíram para aumentar nos Estados Unidos, principalmente, a venda de espinafre.
E já que estamos metendo o bedelho nas histórias em quadrinhos, um lembrete: este ano, em 17 de agosto, vamos comemorar o centenário dos desenhos animados, gênero que nasceu em 1908 com o francês Emile Cohl que na época, trabalhando como cenarista nos estúdios Gaumont, criou ‘Fantasmagorie”, que a história registra como o primeiro filme de animação. Cohl morreu na miséria em 1938. E o desenho animado, antes tido como “coisa de criança”, acabou virando “lições para adultos”, apesar de todas as transformações que sofreu o gênero nesses cem anos. Cohl rolaria no túmulo se visse o que existe hoje em animados, apesar das exceções como os desenhos de Disney, que industrializou a animação.

17 de janeiro de 2008

MÚSICA E LÁGRIMAS - (The Glenn Miller Story, 1953)

Veículo: TV Guia

Cinebiografia romanceada do conhecido band leader Glenn Miller (1904-1944), cheio de músicas e marchas militares, além, é claro, das lágrimas despejadas aos borbotões pela mocinha June Allyson, a esposa perfeita, o tipo de personagem que ela sempre representou bem – o único, diga-se – inclusive em vários outros filmes como “Um Homem e Dez Destinos” (Executive Suit, 1954), “Comandos do Ar” (Strategic Air Command, 1955) e “Voando Para o Além” (The McConnell Story, 1955).
Com a história de Glenn Miller o diretor Anthony Mann obteve um grande êxito comercial e abriu o caminho para outras tantas cinebiografias sobre músicos, como as de Gene Krupa e Benny Goodman. Os melhores momentos, para os nostálgicos, são os que mostram o início de carreira do band leader, em que ele participa de uma sessão de jazz no Harlem, tocando com Louis Armstrong, Gene Krupa, Cozy Cole e outros ídolos de sua época. Em 54 o filme foi premiado com o Oscar de melhor som. E traz na trilha sonora adaptada por Henry Mancini diversos êxitos de Glenn Miller, desde “Moonligth Serenade” até “Little Brown Jug”, “St.Louis Blues”, “A String of Pearls”, “Pennsylvania 6-5000”, “American Patrol e “In the Mood”.
O jovem Glenn Miller (James Stewart), já casado com Hellen (Allyson), que conhecera na Universidade do Colorado, começa sua carreira de músico, primeiro numa banda, depois na Broadway. Aos poucos ele consegue formar sua própria orquestra, tornando-se uma atração nos salões dançantes. E fica rico. Alista-se no Exército, cria uma orquestra de soldados e muda toda a rotina das bandas militares, criando versões revolucionárias de marchas tradicionais. Volta ao lar, reorganiza o grupo e reconquista o sucesso. Em dezembro de 1944, durante uma viagem a Paris, seu avião desaparece.

Direção de Anthony Mann, com James Stewart, June Allyson, Charles Drake, Henry Morgan, George Tobias, Frances Langford, Marlon Ross.