Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

7 de maio de 2008

RORAIMA, O NOVO VELHO OESTE

Recentemente, um deputado lá das bandas de cima disse que o general-de-exército Augusto Heleno Pereira estava fazendo o papel do general Custer, o herói norte-americano que combateu os índios e se ferrou.O nosso general brasileiro atacou a política indigenista praticada aqui, afirmando, entre outras coisas, que a demarcação de reservas indígenas na fronteira do país ameaça a soberania nacional. Isso tudo porque, de uns tempos para cá, passamos a conhecer uma outra crise – e não é nada tranquilizadora – ameaçando as populações que vivem lá pelos lados de Roraima, que, pelo jeito, tornou-se o nosso Velho Oeste. Ou seja: índios versus caras-pálidas, como nos tempos de Touro Sentado, Jerônimo e outros tantos ícones que o cinema colocou nas telas para enfrentar John Wayne e outros mocinhos dos velhos bang-bangs filmados por mestres do gênero como John Ford, Howard Hawks e mais alguns privilegiados que souberam explocar o tema usando as fantásticas paisagens do Grand Canyon.
O diabo é que, quando começou a escaramuça entre arrozeiros – os plantadores de arroz – e os índios da reserva Raposa Serra do Sol, a coisa vem se avolumando. Nestes dias, nove ou dez índios foram atacados por asseclas de um fazendeiro que ocupava pequena parte da terra indígena, legalmente, o prefeito de Paracaima, Paulo César Quartiero, líder dos proprietários de terras que os índios dizem ser deles. Naquelas bandas índio não quer apito, quer as terras que o Governo Federal destinou a eles numa penada talvez equivocada, definida quando as coisas já não estavam boas entre os dois lados porque, como diz o general Heleno, comandante militar da Amazônia, a política indigenista do nosso Governo é “lamentável e caótica”. Por que?. Por não impedir os não-índios de entrar em reservas e por abandonar as comunidades indígenas à miséria depois da demarcação da área da Serra do Sol. Respaldado nos seus conhecimentos sobre aquela região e no apoio das elites militares, o general, primeiro chefe da missão de paz da ONU no Haiti, experiente em combate e conhecedor da vida indigenista, acha que a política da União é errada ao entregar territórios vastos e contínuos aos índios. Ontem, ou anteontem, o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, disse numa entrevista que os índios não precisam de tanta terra, precisam mesmo é de dignidade e da proteção do Estado. Dezessete ou dezoito mil índios ocupam na reserva Raposa Serra do Sol uma área de um milhão e oitocentos mil hectares e, segundo o governador, são usados como bodes expiatórios das inúmeras ONGs existentes na região, interessadas menos em defender as causas dos índios e mais nas riquezas minerais da vasta região.
Achei esquisito o tal deputado – nem lembro o nome da figura – ter comparado o general Heleno com o general Custer, que a maioria só conhece via cinema – e vejam que até Marcello Mastroiani interpretou o general -, figura a quem Hollywood dedicou mais de uma dezena de filmes, todos fazendo a apologia do personagem histporico até aparecer “Pequeno Grande Homem”, de Arthur Penn, que derrubou o mito. Em 1967, a Associação dos Índios da América do Norte fez um apelo às empresas comerciais dos Estados Unidos para que não financiassem um programa de televisão destinado a glorificar o general George Armstrong Custer. Famoso por sua extrema crueldade contra os peles-vermelhas depois da Guerra da Secessão, idolatrado depois que Errol Flynn fez “O Intrépido General Custer”, virou ícone para os brancos e carrasco para os índios. A associação, com mais de 30 mil membros, dizia então que não era apropriado produzir uma série de episódios televisados glorificando um oficial do Exército norte-americano que havia tomado parte no brutal assassínio de mulheres e crianças, “da mesma forma como não seria adequado apresentar-se uma série enaltecendo um criminoso de guerra nazista ou um traficante de escravos.
Numa série de artigos sobre o Velho Oeste, publicados em 1973 na “Folha de S.Paulo” e assinados por Colin Richards, do jornal “London Express”, o autor afirma que “morte e derrota foram as melhores coisas que poderiam acontecer ao general Custer. Elas o transformaram em herói nacional no protótipo hollywoodiano para a Cavalaria dos Estados Unidos”. Colin Richards afirma que se Custer tivesse derrotado os Sioux e os Cheyennes na batalha de “Little Big Horn”, provavelmente teria sido descartado pelos historiadores como um exibicionista doente por publicidade. Em 25 de junho de 1876, os batedores de Custer localizaram uma aldeia índia às margens do rio Little Big Horn, em Montana, e advertiram que era grande demais para os duzentos soldados comandados pelo egocêntrico general. Aconselharam que ele aguardasse a chegada de reforços, mas Custer estava novamente às voltas com seus problemas de publicidade desde que fora processado num inquérito onde fez acusações infundadas contra a família do presidente Grant. E, mais uma vez, necessitava de uma grande vitória sobre os índios para recuperar seu prestígio na Cavalaria. Resultado: ignorou os conselhos, desceu o vale do Little Big Horn e foi cercado por mais de 3 mil Sioux, Cheyennes e Arapanhões. Três horas depois o seu exército estava dizimado. Aparentemente, Custer suicidou-se. Touro Sentado e seus índios haviam desenterrado a machadinha de guerra para vingar suas mulheres e filhos assassinados pelas hordas do general. Fiquemos de olho porque, muitas vezes, a História de repete. Não temos nenhum Custer, como insinuou o tal deputado lá dos altos do país, mas temos aí, discutido todos os dias já há um bom tempo, um conflito que, hora qualquer, pode virar o nosso Little Big Horn. Quem não conhece a história pode alugar em vídeo o “Pequeno Grande Homem”, obra que desmistifica Custer, de quem o nosso general Heleno não herdou nada. Ainda bem.

5 de maio de 2008

Trinta anos... O HOMEM NU

1967
Acredito que “A Hora e Vez de Augusto Matraga” tenha sido, até agora, a melhor obra de Roberto Santos, cineasta lúcido capaz de levar adiante, com simplicidade e dedicação, toda produção em que possa analisar detidamente seus personagens e dar-lhes consistência de humanismo, de tragédia e de humor, sem se preocupar basicamente com estilos, simbolismos ou efeitos fotográficos.
Assim é o novo filme dele, “O Homem Nu”. Sem pompa, isento de exercícios de forma e de sofisticação, atrai pela simplicidade com que o diretor aborda o problema do professor Sílvio Proença (Paulo José), de repente transformado em marginal e caçado por uma cidade inteira.
Disse que considero “Matraga” a melhor realização de Roberto Santos por uma razão: sendo uma obra mais difícil, exigiu muito mais esforço cinematográfico de seu realizador e outra visão das situações. Também exigiu uma adaptação mais estudada para que não houvesse qualquer deturpação da obra de Guimarães Rosa. Passado algum tempo – dois anos – Roberto Santos retorna com esta comédia que adapta o conto de Fernando Sabino e que o diretor transforma num filme sóbrio, discreto, sem chavões, despretensioso mas sem a força dramática de “Matraga” e “O Grande Momento”, este último sua estréia em 1958, mas com o espírito alegre de “As Cariocas”. Ao adaptar o conto com o próprio Sabino, Roberto Santos considerou que a simples história de um homem correndo nu pelo Rio de Janeiro oferecia poucas condições para uma análise do personagem e do comportamento de uma cidade diante de uma determinada situação.
Assim, aprofundou-se no roteiro e criou uma trama ao mesmo tempo divertida, bonita mas também trágica em certos momentos. Primeiro, o professor Sílvio num mundo amável, poético, metido numa realidade da qual não queria sair porque abandonar a rotina poderia significar desafios que ele não desejava enfrentar e, dessa forma, penetrar num mundo diferente e cheio de riscos. É o que acontece ao ficar nu num acontecimento simplório. Incapaz de reagir claramente e enfrentar uma realidade que descobria pouco a pouco, em sua fuga e em sua humilhação, Sílvio Proença começa a compreender a outra face de uma cidade e de um mundo que antes era extremamente calmo e acomodado. Uma face meia
Cruel, meia amarga e também meia violenta, que esconde cinismo, egoísmo e muitos esquemas morais para ser sentida e compreendida por um sujeito metido numa situação vexatória à qual estava exposto por acidente. Há a perseguição pelo Rio inteiro e, no final, a conscientização ao descobrir a falta de solidariedade humana e a vulnerabilidade de seu lar. Então surge a amargura e já não existem mais saídas.
Roberto Santos obtém de Paulo José sua melhor interpretação, e no elenco feminino há destaque para Esmeralda Barros porque Íris Bruzzi, Leila Diniz, Ruth de Souza e Joana Fomm pouco aparecem. “O Homem Nu” conseguiu ser um bom filme de costumes e de críticas aos princípios morais das grandes cidades e que poderiam ser colocados também em qualquer pequena cidade porque o comportamento é o mesmo e nada mudou: tipos como Valença fazem parte de um folclore que muitas vezes machuca.