Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
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17 de abril de 2008

Trinta anos... MACUNAÍMA

9/12/1969

O público engole “Macunaíma” da mesma maneira que o personagem é engolido pelo Brasil, segundo a definição dada pelo diretor Joaquim Pedro de Andrade: “um brasileiro comido pelo Brasil”. Ao espectador não restam dúvidas: se ele viu outros filmes nacionais este ano (1969), e se repassar a qualidade dos demais, chegará tranquilamente à conclusão de que no cinema brasileiro não há nada de melhor do que o “Macunaíma” de Joaquim Pedro.
Na difícil tarefa de adaptar o romance de Mário de Andrade, escrito há mais de 40 anos, o diretor obteve um resultado que supera as expectativas, elaborando um filme de nível técnico internacional e visualizando o nascimento, vida e morte deste personagem extremamente absurdo, grotesco, caricatural, cômico, erótico e às vezes até banal, um tipo tido como “o retrato do brasileiro de todos os tempos e de todas as regiões”.
A reação do espectador diante deste filma barroco, cafona e tropicalista é a melhor possível. Ele ri das situações, dos diálogos, dos personagens e de tudo o que está à volta de Macunaíma, desde que ele nasce preto (Grande Otelo) até sua morte, autoconsumido. Entre nascimento e morte, uma vida marcada pelos desajustes, pelo sexo, pelas trapalhadas, pela fauna das selvas e pela selva da cidade grande, o Rio, no caso, onde os mais fortes comem os mais fracos, onde quem pode mais chora menos. A fantasia de Mário de Andrade adquire, no romance e no cinema, um tom próprio, absurdo e irônico, que coloca em questão os problemas brasileiros de moral, conceitos, virtudes e vícios, saltando aos olhos como um painel rico em detalhes e onde não falta a antropofagia, forma do consumo que os índios inventaram ao devorar o bispo Sardinha e que Joaquim Pedro usa através de um banquete cruel patrocinado pelo antropófago-mor, o gigante Wenceslau (Jardel Filho).
Desse quadro de aventuras sarcásticas, ironias, sexo e humor é que Joaquim Pedro constrói o seu filme, deliberadamente hippie e rústico, gostosamente chanchadesco, ante o qual a platéia se diverte porque sente, desde o início, o grande poder de comunicação da obra. O mérito de Joaquim Pedro pela realização desta obra deve ser dividido com Grande Otelo, Paulo José e Jardel Filho, representando o Macunaíma preto, o Macunaíma branco e o gigante mau caráter, respectivamente, impondo aos seus personagens o toque caricatural necessário para enriquecer esta comédia de situações exageradamente ajustadas ao espírito do brasileiro contemporâneo. Um retrato traçado há 40 anos que adquire vida numa obra cinematográfica ousada, provocante por suas cafonices e por sua grossura proposital construída em cima do burlesco, do tropicalismo e do antropofágico.

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