Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

7 de abril de 2008

MORRE CHARLTON HESTON

Ele disse, certa vez, que se dependesse dele cada cidadão norte-americano teria dentro de casa um pequeno mas básico arsenal de armas, desde espingardinhas de chumbos pra liquidar passarinhos até a mais sofisticada metralhadora tipo das que os soldados estão usando no Iraque. E quem pudesse dispor de mais espaço no quintal da casa deveria ter até um mini-tanque de guerra, pra evitar mal-entendidos com vizinhos bisbilhoteiros. Heston morreu anteontem (dia 5) aos 84 anos em sua casa de Los Angeles, e não foi devido a nenhum acidente com arma de fogo. Estava há alguns anos enfrentando os dissabores do Mal de Alzheimer, a mesma doença que matou Katharine Hepburn e que vem nocauteando Cassius Clay. Lembrando que da mesma causa morreu o ex-presidente Ronald Reagan, amigo e tanto ou mais reacionário e conservador do que o ator de “Ben-Hur” e tantos outros filmes épicos dos anos em que Hollywood rezava na Bíblia do produtor Cecil B. DeMille e produzia monumentos tipo “Os Dez Mandamentos”.
Falei sobre armas de fogo porque Heston presidiu durante anos a National Rifle Association, organização que defende os direitos do americano de ter armas em casa e que foi esculhambada pelo diretor Michael Moore no excelente “Tiros em Columbine”. Ou seja: depois de fazer tantos filmes bíblicos dá a impressão que Charlton Heston não absorveu nenhum dos mandamentos religiosos que a Bíblia ensina. Não sei se era católico, protestante, amish ou o que fosse, mas que era um republicano fanático isso era. E nunca deixou que, por isso, conseguissem destruir sua carreira no cinema, embora não faltassem tentativas.
Apesar dessas contradições, John Charlton Carter – nome de batismo - nascido em 4 de outubro de 1924 na tranqüila Evanston, Illinois, legou para o cinema norte-americano alguns títulos significativos, principalmente nas bilheterias. Na sua biografia resumida no guia “Astros & Estrelas” (Nova Cultural), ele citado como homem de vida pessoal impecável e aparência física que sugeria força e dignidade. Foi essa postura que atraiu o produtor Cecil B. DeMille, que estava caçando alguém para interpretar “Os Dez Mandamentos”, em 1956 e encontrou o tipo ideal para viver o papel de Moisés. Naquele ano, apesar de toda a sua grandiosidade, a superprodução indicada ao Oscar só conseguiu o prêmio de efeitos especiais. E Heston nem indicado foi para disputar a estatueta de melhor ator. Quem ganhou foi Yul Brynner em “O Rei e Eu”. Mas o Oscar veio em 1959 com “Ben-Hur”, dirigido por William Wyler, que teve 12 indicações e levou em onze delas, e é uma adaptação da história escrita pelo general Lew Wallace em 1880, falando sobre os primórdios do Cristianismo. Custou, na época, 15 milhões de dólares, rendeu mais de 80 milhões e aborda principalmente as relações entre Judáh Ben-Hur (Heston) e seu amigo Messala (Stephen Boyd), ambos disputando, no final, aquela magistral corrida de quadrigas filmada nos estúdios italianos de Cinecittà e que, por si só, custou um milhão de dólares.
Depois do êxito com “Ben-Hur”, Heston não parou mais. E fez, principalmente, outros personagens históricos, desde João Batista até o lendário El Cid, o gênio Michelangelo, o cowboy Buffalo Bill, o presidente americano Andrew Jackson e o cardeal Richelieu. Já contava com 18 filmes no currículo desde o primeiro, “Cidade Negra”, de 1950, e não ficou apenas nos grandes espetáculos hollywoodianos. Interpretou obras menos ambiciosas como dois da série “Planeta dos Macacos”, o primeiro em 68, depois “Terremoto” (74), “Aeroporto” (75), e dizia sempre que seu melhor trabalho havia sido em 58, sob a direção de Orson Welles em “A Marca da Maldade”, drama em preto e branco onde fez o policial que, numa cidade da fronteira com o México, investiga a bandalheira comandada por um corrupto e asqueroso xerife que o próprio Welles defende com maestria..
Dirigiu e atuou em “À Sombra da Pirâmide” (72) e “A Montanha de Ouro” (82), fez vários especiais para a televisão e em 89, aplaudido pelos ingleses, foi representar no teatro de Londres a peça “O Homem Que Não Vendeu Sua Alma”. Heston era casado desde 1944 com Lydia Clarke e tinha dois filhos. Fraser, o mais velho, apareceu como o Moisés bebê em “Os Dez Mandamentos” e é roteirista de cinema. Herdou do pai o desprezo pela vida mundana do cinema. Heston foi sempre assim, avesso às badalações. Gostava mesmo era de ficar em casa limpando os canos de suas armas.

Nenhum comentário: