Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
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9 de abril de 2008

O CINEMA E A RECESSÃO

Muito bem, os norte-americanos pegam gripe e nós, aqui, esperamos os momentos de começar a espirrar, porque acabamos infectados pela gripe estadunidense que parece se alastrar a cada dia, com o tal de Fed anunciando que a crise econômica por lá não é coisa de nenhum filme de Frank Capra e que nem o presidente Roosevelt, o anjo da guarda do “New Deal”, se vivo, conseguiria salvar as vítimas do “crash” de 2008, igual ou pior daquele que arruinou a economia dos Estados Unidos nos anos 29 e 30. “New Deal” significava novos tempos para os norte-americanos, e o slogan pegou todos eles de calças curtas – os que ainda vestiam calças – e, se não ficarmos de olho, o nosso tal de Lula vai querer imitar a história, se é que já não imitou criando as tais de Bolsas pra todos os cantos do país. Só que leio hoje (7) que está morrendo gente aos montes por causa das chuvas no Nordeste, tem mais gente ainda precisando de socorro médico e aquele socorro do nosso Big Brother ainda não apareceu, como não surgiu no caso da dengue no Rio e certamente não vai aparecer caso a epidemia do mosquito se espalhe pelo resto do país. Ficaremos reféns de um maldito mosquitinho que estaria liquidado se entrasse nas latrinas usadas por deputados e senadores, em Brasília. Que tal a sugestão?. Afinal, são todos sanguessugas, ou não?.Neste final de semana, no “Estadão”, João Ubaldo Ribeiro esculhambou os políticos cariocas que não estão nem aí para o caos na saúde, e vejam que a dengue não pega apenas favelados mas pegou, também, o nosso medalhista olímpico Diego Hipólito, que é capaz de ficar fora das disputas na China por causa de um mosquito ordinário, fruto da incompetência dos políticos – também incompetentes – que prolifera com a rapidez que eles, os políticos, deveriam dedicar à aprovação de todos os programas de saúde para a população deste país, principalmente aquela que o nosso Big Brother diz acudir com bolsas, sacolas, mochilas e etc. Agora, ainda, estou ouvindo no rádio o Lula dizer que o Brasil será um grande construtor de navios dentro se poucos anos. E me pergunto: quem vai trabalhar nos estaleiros se tem dengue, febre amarela e, quem sabe, outras doenças que virão por aí?.O profeta de nove dedos dizia, recentemente, que o sistema de saúde brasileiro é um dos melhores do mundo. Sorte dele, que nunca precisou entrar numa fila do INSS.
Lula, há pouco, falando sobre a provável recessão na economia dos Estados Unidos, comparou-se ao então presidente Roosevelt, e aí, cá pra nós, o discurso entornou. Acho que Lula nunca leu nada sobre o pior momento econômico norte-americano, e nem sabe que Roosevelt, na sua cadeira de rodas, levantou o país inteiro num movimento que não distribuía nem dentaduras nem bolsas, mas esperanças pros famigerados cidadãos que, vimos, por exemplo, no clássico “As Vinhas da Ira” (1940), de John Ford. Agora, ligando o cinema com a recessão, é bom lembrar que nos anos 30, Hollywood soube, melhor que ninguém, de que forma manipular a baderna econômica do país, primeiro produzindo os filmes cantados, depois com os cem por cento falados, aqueles que fascinavam um público ansioso por esquecer, nas salas escuras, os seus problemas de sobrevivência material.
Num artigo em que discorria sobre a crise daquela época, o jornal “The New York Times” afirmava que os banqueiros logo perceberam o importante papel de Hollywood como antídoto contra o pessimismo dos norte-americanos. O Chase Manhattan Bank, do grupo Rockfeller, e a Atlas Corporation, do grupo Morgan, dominavam os oito maiores estúdios E os puritanos deram o troco, porque o atrativo dos cinemas, com filmes de todos os tipos, não era nada legal. Ao contrário, era a total indecência, daí tem surgido o tal de Código Hays, aquele que, a pretexto de vigiar a moralidade pública, queria mesmo era controlar o tratamento dos problemas sociais através do cinema.
A produção de filmes nos Estados Unidos, desde o início da crise que gerou milhões de desempregados, foi dirigida por banqueiros puritanos. Isso explica o fato de que, entre 1929 e 1933, período mais negro da Depressão, o cinema deixou de abordar os problemas da sociedade e do homem americano, instalando-se como uma usina de sonhos, uma fábrica de esperanças. A crise econômica fez nascer um novo gênero, o filme de gangsters, ou “film noir”, que tentava esclarecer alguns aspectos dramáticos vividos pela sociedade, como foi em “O Fugitivo”, de 1932, de Mervyn Le Roy, que abordou a trágica situação de milhões de pessoas, refletida na figura de um ex-prisioneiro que, livre mas sem emprego, vivia miseravelmente e atirava-se desesperadamente contra o mundo.E daí começaram a surgir filmes que, em metáforas, parábolas, gozações, violência e terror, tentavam mostrar aos americanos que o cotidiano deles não tinha nada de “happy end”. Foi assim com o primeiro “Frankenstein”, de James Whale, de 1931, com Boris Karloff. O “New York Times” afirmava que, vendo o filme, todo mundo foi se exorcizar nas salas de cinemas, e, coincidentemente, foi no mesmo ano em que Ted Browning fez o primeiro “Drácula”, com Bela Lugosi mais vampiresco do que nunca.
Esses gêneros driblavam as restrições impostas pelo Código Hays e representavam melhor do que qualquer análise social o imaginário angustiado do país vítima de uma neurose coletiva. “O Médico e o Monstro”, de 32, de Rouben Mamoulian, e “King Kong”, de 33, realizado por Merian C.Cooper e Robert Schoedsack, confirmaram que o cinema de terror respondia aos temores daqueles anos, eram verdadeiros rituais de despossessão dos quais os espectadores participavam para espantar as obsessões cotidianas, desde a falta de grana até desemprego e subsistência. “De mercadores de sonhos, os produtores de Hollywood tornaram-se mercadores de pesadelos”, segundo o “Times”.
Mas o presidente Roosevelt era o dragão lutando contra a Depressão. Sorte dele que contou com total apoio de Hollywood, e ninguém como o diretor Frank Capra melhor transmitiu, em seus filmes , os ideais que o público precisava absorver para vencer a crise: segurança, otimismo, crença no poder da democracia, na liberdade de expressão, no desejo de progresso e no lema de Grande Oportunidade. O idealismo era abençoado pelo destino e pela sorte, e não sem razão Gary Cooper ficou milionário com a herança do tio em “O Galante Mr.Deeds”, de 36, para depois de rico ter de enfrentar os políticos profissionais, os burocratas, os corruptos e toda a sujeira do mundo dos altos negócios e negociatas, exatamente a podridão que Roosevelt tentava extirpar do país.
O cinema, enfim, mostrou que a recessão de 29, com a crise na Bolsa de Nova York, só fez bem à indústria do ócio e da diversão, do sonho e da fantasia. E Lula, o nosso Guia, talvez já esteja imaginando como tirar proveito dela, que ainda não nos atingiu. Pode ser que, a qualquer hora, ele institua uma Bolsa Roosevelt porque, diante do espelho, deve se julgar, oitenta anos depois, o criador do nosso “New Deal”.

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