Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

31 de março de 2008

A FICÇÃO FICOU MAIS POBRE

Na semana passada, duas mortes sentidas no cinema e na literatura de ficção-científica. Dois nomes que, embora já um tanto tarde, merecem ser lembrados: o ator Paul Scofield e o escritor Arthur C.Clark. Podem anotar nas suas cadernetas de óbitos porque conheço alguns “ratos de cinemateca” que, morreu alguém importante no cinema, literatura, teatro, dança, televisão e até esportes ou balé, vão lá marcar as respectivas datas: nasceu em... e morreu em...
E ainda gostam de registrar do que morreram. Geralmente por falência múltipla de órgãos, definição que os médicos encontraram para enganar os parentes do morto e não dizer a eles que o sujeito morreu de câncer, aids, febre amarela, dengue, sífilis, tuberculose ou fome, até fome.
Scofield se juntou aos raríssimos grandes atores que nunca se deixaram contaminar pela fama. Aliás, o que se sabe dele é pouco, a não ser que, principalmente no teatro inglês, foi muito mais reconhecido que no cinema. Morreu no dia 19 de março, aos 86 anos, em sua casa no sul da Inglaterra, vítima de leucemia. Lembramos dele principalmente por sua excelente interpretação de sir Tomas Moore em “O Homem Que Não Vendeu Sua Alma”, tradução bem à brasileira, ou seja, idiota, para o original “A Man for All Seasons”, o filme do diretor Fred Zinnemann que em 1966 levou os principais prêmios da Academia de Hollywood – filme e direção – além do melhor ator. Scofield, então bancando o filósofo e estadista que em 1528 entra em conflito com Henrique VIII. No cinema, foi tudo o que o ator levou: uma estatueta que talvez tenha servido a ele para prender portas. Inclusive porque Scofield nunca foi cinematograficamente cotado para interpretar grandes personagens, a não ser o Tomas Moore. Mas ainda emprestou seu inegável talento em obras menores como “O Trem”, de Arthur Penn e John Frankenheimer, “Rei Lear”, de Peter Brook, “As Bruxas de Salem”, de Nicholas Rytner. Se fosse pelos filmes que fez, a não ser “O Homem...”, Scofield seria um ilustre desconhecido. Mas o teatro inglês deve muito ao seu talento, e Shakespeare deve ter agradecido a ele pelas grandes atuações que teve nos palcos londrinos.

CLARK

Arthur C.Clark morreu no dia 18 de março. Deve ter sido levado por aquele monólito que colocou no seu livro, e que, talvez nem ele quisesse, acabou se transformando num dos mais complicados enigmas da literatura de ficção-científica. Afinal, o que é aquela pedra negra que permeia o seu clássico “2001: Uma Odisséia no Espaço”?. Boa pergunta a todos os que já viram o filme umas duzentas vezes, e até morrer vão ver mais algumas, isso se não pedirem pra serem enterrados com uma cópia, se possível um DVD que não ocupa tanto espaço e cabe até no bolso do paletó.
Clark foi um genioso escritor de histórias de ficção, mas acho que, nesse gênero, não é possível chamá-lo de “mestre”, porque os entendidos em literatura de ficção-científica acabarão berrando e citando outros nomes. Quais? Fácil.. Alguém se lembra de Ray Bradbury? Ou de Isaac Asimov? Todos eles, claro, na literatura e, da literatura ao cinema. Mas ainda podemos recordar Julio Verne, que inventou aquela viagem à Lua, início de um gênero que depois acabaria com o nosso “2001”, e por que não? - lembrar também os quadrinhos de Flash Gordon. Quem teve infância e trocou gibis nas matinés dos cinemas do interior vai entender porque Flash Gordon já realizava, nos anos 40, através de seu autor, o desenhista Alex Raymond, aventuras que pra todos nós, eram mesmo puras mentirinhas, coisas que só o cinema podia inventar. Anos depois veríamos que o cinema se antecipou à realidade através de filmes, e a literatura idem, com autores como Asimov, Bradbury e Arthur Clark.
Conheço pessoas que nunca leram o livro do autor paparicado mundialmente. E nem tiveram, até hoje, a preocupação intelectual de ver o filme de Kubrick, um monumento em efeitos visuais quase ignorado pela ortodoxa Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que só premiou a obra com um Oscar técnico. Se o filme fala da ciência a serviço do ser humano, onde ficou a tal de “Ciências” da Academia? Foi outra pisada no tomate, entre tantas outras que Hollywood cometeu. Agora, “2001” está completando 40 anos, e depois dele a ficção-científica, que eu saiba, não criou nada melhor. Para comemorar o aniversário, a Warner lança um DVD duplo com o filme remasterizado, melhor som e imagem e, de sobra, aquele disco extra com o “making of” contendo uma entrevista do diretor, concedida em 1966. Você, que já viu o filme, ainda não fica arrepiado ao acompanhar a sequência do osso atirado ao ar pelo macaco e que, ao som do poema sinfônico “Assim Falou Zaratustra”, de Richard Strauss, transforma-se numa nave espacial viajando no espaço ao som do “Danúbio Azul’? É um lançamento essencial para qualquer videoteca.

17 de março de 2008

UMA SEMANA COM CHARLES CHAPLIN

Alguém pode me dizer por que o programa “Oito e Meia no Cinema”, da Record, só começa às 10 e 15 da noite dos domingos?. E por que a TV paga, no caso o Canal Cult, promove uma homenagem intitulada “Santo Chaplin”, já que sabemos que, de santo, Chaplin tinha pouca coisa?. São mistérios que os programadores da televisão brasileira nunca explicam, ou não sabem como explicar. Mas esqueça essas gafes, até certo ponto compreensíveis para o atual nível de imbecilidades da nossa tv, e acompanhe a boa programação que o canal Cult inicia hoje, terça, às seis da tarde, e conclui no domingo, dia 23, exibindo onze filmes clássicos de Charles Spencer Chaplin, o maiúsculo nome do cinema que morreu aos 88 anos em 25 de dezembro de 1977 e que, se vivo, iria comemorar os seus 119 anos de vida em 16 de abril.É provável que não chegaria festejar mais de um século de existência e bateria as botas antes disso, como bateu.
Mas, enfim, filmes de Carlitos na tv são sempre bem-vindos, e os interessados podem acompanhar a programação, de hoje a domingo, e que passo agora a vocês.
VIDA DE CACHORRO – (A Dog`s Life,1918, hoje, 18, às 18 horas) – Em 19l8, trabalhando já na First National, Charles Chaplin realizou inicialmente um pequeno filme documental encomendado pelo Governo dos Estados Unidos, cooperando na campanha de venda dos bônus de guerra (anos mais tarde isso seria considerado irônico, dado o tratamento de comunista que recebeu e que forçou a sua saída do país). Não existem cópias nem negativos dessa preciosidade. E já concluíra sua primeira comédia para o novo estúdio, “Vida de Cachorro”, onde faz um paralelo entre a vida de um cão e a de um vagabundo. O filme de apenas três rolos mostrou a luta pela sobrevivência de uma forma crua e foi definido pelo historiador Louis Delluc como “a primeira obra de arte consumada de toda a cinematografia”. Carlitos, o vagabundo eterno que então começava a nascer, primeiro salva o cãozinho que brigava com outros cães, depois salva a garota que, num salão de danças, levava também a sua vida de cachorro. Logo depois desse filme, Chaplin realizou “Ombro,Armas!”, onde o mesmo método dialético do conflito entre pequenas ilusões e necessidade social é aplicado à guerra, denunciada através de um herói que, sozinho, obtém a vitória para os Aliados. Nessa época ele lembra em suas memórias que o poderoso Cecil B.DeMille o alertara de que era perigoso, num tempo como aquele, fazer graça às custas da guerra. E se recordava, também, de um juiz que, em Augusta, lhe dissera: “O que me agrada em você é o seu conhecimento do que é fundamental. Você sabe que a parte mais digna do ser humano é o seu traseiro. E suas comédias provam isso. Quando dá um pontapé no traseiro de um senhor pomposo, você o priva de toda a sua dignidade”. Resposta chapliniana: “Não resta a menor dúvida: a bunda é a sede da nossa dignidade”.
EM BUSCA DO OURO – ( The Gold Rush, 1925, hoje, 18h50) – Primeira comédia de Chaplin para a United, a empresa que Chaplin havia fundado com Douglas Fairbanks e Mary Pickford, além de David Wark Griffith e William S.Hart, criada “para proteger a nossa independência”, disseram eles. Fairbanks e Pickford já estavam distribuindo seus filmes através da nova companhia, mas reclamavam de que, sem as comédias de Chaplin, o negócio estava preto e os prejuízos já alcançavam um milhão de dólares. A situação caótica só foi revertida com “Em Busca do Ouro”. A idéia para o filme surgiu depois dele ter visto algumas fotos do Alaska e do Klondike, quando imaginou uma história onde Carlitosse envolvia com o garimpo e com os homens rudes que rumavam para a Califórnia em busca de riqueza. Qualquer devoto do vagabundo conhece a antológica sequência em que ele cozinha as solas dos sapatos, imaginando um bom filé, e faz dos cordões um delicioso espagueti. “Na criação da comédia - dizia o senso do ridículo é estimulado pela tragédia. O ridículo, creio, contém um desafio: devemos rir do nosso desamparo na luta contra as forças da natureza, para não enlouquecer”
O CIRCO – (The Circus, 1928, amanhã, quarta, 18h) - .Comédia que Chaplin fez sob vários tipos de problemas. Um deles o divórcio de sua segunda mulher, Lita Grey, que a imprensa marrom explorou de forma obscena. Foi sua última experiência no ritmo de 16 fotogramas por segundo. Chaplin teve de treinar meses a fio com a atriz Mirna Kennedy para aprender equilibrismo – junto com ela que, evidente, nem se equilibrava nas próprias pernas - e realizar a parte da história onde o vagabundo, para escapar dos policiais, refugia-se no circo instalado numa feira de cidade do interior. Querem palco melhor para o vagabundo Carlitos aprontar as suas?. Reparem bem: num outro momento antológico de sua filmografia, Carlitos mete o pé numa estrela dourada achando que havia sido desprezado pela mocinha, depois de ajudá-la. E explode em ódio com o famoso pontapé que, em outros filmes, atingia sempre o vilão ou algum policial. No mesmo programa de “O Circo”, hora e meia depois, a semana Chaplin mostra o documentário Chaplin Today, onde o diretor iugoslavo Emir Kusturica – (aquele que levou o Leão de Ouro em Veneza, em 85, com “Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios”) – discorre sobre o clássico filme de Charles Chaplin.
O GAROTO – (The Kid, 1920, quarta, 20h10) – Você assiste “O Circo” e depois pode acompanhar um dos mais notáveis filmes chaplinianos. “O Garoto” vai ser acompanhado por um documentário que será exibido às 21h20, “Chaplin Today”, que tem participação do diretor Abbas Kiastorami, examinando a obra. E o que foi “O Garoto”? . Muitos críticos acham que “The Kid” é mo filme mais popular de Chaplin. Aquele onde ele colocou grande parte de sua própria vida, mostrando na história do menino abandonado, adotado pelo vegabundo Carlitos, um pouco da sua própria infância e do ambiente onde vivera. O garotinho era Jackie Coogan. “Podem vocês pensar num vagabundo bancando o vidraceiro, consertador de janelas, e o garoto jogando pedras nas vidraças para que Carlitos fosse chamado a conserta-las?”, perguntou Chaplin aos seus atores, que não eram muitos. .Poderia discorrer sobre este clássico de Chaplin e acabaria num livro. Mas os chaplinianos de carteirinha já conhecem tudo o que o filme revela, principalmente em lições de vida e humanismo, então não adianta esticar o papo.Basta dizer que, ao achar o ator Jackie Coogan, Chaplin disse o seguinte: “Costumam dizer que crianças e cachorros são os melhores atores em filmes.Ponhamum garoto de doze meses numa banheira com um sabonete e, quando ele tentar agarrá-lo, as gargalhadas espocarão. Todas as crianças, de uma ou outra forma, têm gênio”.
MONSIEUR VERDOUX – (Monsieur Verdoux, 1947, 18h, quinta-feira). – Realizado por Chaplin em 1947, alterna humorismo com crítica social. O personagem foi concebido segundo um paradoxo de virtudes e vícios, um homem que, aparando roseiras, evita pisar numa lagarta enquanto uma de suas vítimas está senso incinerada.. Muito bem. O filme provocou escândalos e manifestações de protesto em todos os Estados Unidos, e talvez, hoje, seria intitulado “Bush, o Matador”. Por que não?. A desgraça do filme é que ele colocou novamente Chaplin diante dos apocalípticos censores que viam tudo como o fim do mundo. Mas o diabo chapliniano, sempre alerta para as perguntas mais idiotas de censores mais ainda – aliás, nada mudou daqueles anos para os nossos – foi indagado: “ o senhor acusa a sociedade e o Estado? Ele disse: “O Estado e a sociedade não são uns anjinhos do céu. Por certo, é permitido criticá-los, não?”.
TEMPOS MODERNOS – (Modern Times, 1936, quinta-feira, 8 e 20 da noite, e no sábado, dia 22, logo às 9 e meia da manhã)- Em 3 de julho de 1974, na “Folha de S.Paulo”, publiquei um artigo sobre “Tempos Modernos”, intitulado “A Crítica e o Humanismo de Carlitos”. Foi reproduzido num dos folhetins do Cineclube Macunaíma, um dos poucos que ainda restavam aqui e que reuniam aqueles grupos de pessoas interessadas mais em rever Buster Keaton do que JohnWayne, como é mais salutar acompanhar hoje Woody Allen do que Steven Seagal, ou filmes de Rocky Balboa, Rambo, Máquinas Mortíferas, Massacres de Serras Elétricas e daí em diante, um festival de baboseiras que idiotocinemaníacos – acho que inventei o apelido, perdoe-me Roberto Santos aí no céu – curtem como se nada de mais houvesse ocorrido alguns anos antes. O meu artigo dizia que se Charles Chaplin soubesse quantos problemas enfrentaria quando começou a filmar “Tempos Modernos”, em 1936, certamente teria desistido do projeto. E não teria feito, logo em seguida, o admirável “O Grande Ditador”. Seguem aqui trechos daquele meu comentário. Falei sobre a forma como, em 1971, Chaplin decidiu relançar o clássico no mercado mundial, sonorizado, valorizado por efeitos especiais e com o suporte de uma canção que ficou famosa, “Smile”. Chaplin não queria nada disso, ficou muitos anos bancando aquele chato que insistia em nunca mais mostrar coisa alguma pra ninguém porque era a maneira como ele se vingaria dos macartistas norte-americanos que o baniram dos Estados Unidos, nos anos da caça às bruxas – o macartismo, o AI5 deles, tão maléfico ou mais do que aquele que vivemos aqui – quando comunista era “comedor de criancinhas”. Hoje, com Iraque, Afeganistão, os chineses contra os tibetanos, os Chaves aqui do nosso lado etc,etc, podemos até achar que Chaplin era um santo quando considerado comunista. Perfeito, até podia ser, nada mais justo, considerando-se os tais de direitos humanos e os direitos da livre expressão, se é que estejam respeitando uns e outros. Pensem vocês. Hoje, se vivesse entre nós fazendo filmes, Chaplin faria um “Tempos Modernos” inspirado não apenas na sociedade baseada nos lucros, mas na sociedade apoiada na mais escrachada corrupção. Brasília, por exemplo, seria o cenário ideal para os ataques do herói vagabundo, este clown admirávelmente construído para lutar contra a era da máquina que começava a transformar a liberdade do homem numa dolorosa escravidão.
Em “Tempos Modernos”, a crítica de Carlitos aos tempos de maquinização toma apenas uma parte inicial do filme. Começa apresentando as engrenagens de uma indústria, o processo de produção em série e o empregado-robô Carlitos, sofrendo, como os outros, o processo neurótico de um trabalho mecânico que se limita a apertar parafusos sob a vigilância de um severo patrão, alguma coisa semelhante às lentes das câmeras da Globo flagrando os enlevos sexuais dos idiotas que se prestam a mostrar suas inutilidades intelectuais nos BBBs da vida. Aliás, se vivesse a tivesse acesso a um roteiro de qualquer BBB, Chaplin faria mais um clássico. E talvez fosse cognominado de “chavista”, ou amigo de Uribe, ou desafeto do Bolsa Família, um desses programas criados pra quem nunca teve família e com certeza nunca terá bolsa porque, quando perceber, a bolsa já terá sido parar nas contas de algum deputado do mensalão ou de outros conhecidos golpes nacionais, ou seja, brasileiros com marca registrada tipo exportação pra quem quiser pagar mais.
O personagem chapliniano de “Tempos Modernos” tem muito a ver conosco. Carlitos é submetido como cobaia aos testes da estranha máquina de comer, um demônio mecânico inventado para que o operário não perca tempo com o almoço. Alguém se lembra da distribuição de dentaduras por políticos interessados em saber como se comportavam – e se comportam, ainda – os desdentados que imaginavam comer melhor com dentaduras novinhas sem perceber que, sem comida, dentadura é como anzol sem isca?. Pois bem, o nosso vagabundo Carlitos tinha ao menos mais senso de humor e era mais politicamente correto. Despejou a sua ira contra o sistema de trabalho, começou a brincar com as peças da fábrica, desajustou o sistema de serviços, desobedeceu ordens e acabou na prisão como desordeiro. E, de etc em etc, acaba mexendo com sentimentalismo, humanismo e solidariedade.
Para Chaplin, “Tempos Modernos” foi um desastre. Foi obrigado a obter o visto de saída dos Estados Unidos para a Europa, isso já em 1952, quando terminava a era macartista nos Estados Unidos. E mesmo na Europa foi chamado de “bolchevista” só por causa de uma sequência tão simples quanto simbólica no seu conteúdo político. Se vocês reverem o filme, vão saber por que Chaplin criou, talvez sem querer, um dos mais clássicos momentos do cinema em todos os tempos: Carlitos pega a bandeira vermelha de sinalização de um caminhão a começa a agita-la para devolve-la ao motorista. E, de tanto agitar a bandeirola, acaba de transformando no líder de uma poderosa manifestação dos operários grevistas que vinham atrás. Essa sequência apenas vale por todo o filme.
A programação desta homenagem a Chaplin, um tanto fora do tempo mas ainda assim justificável e agradável, ainda terá, na sexta-feira, às 6 da tarde, “Um Rei em Nova York” e, às 19h50, “Chaplin Today”, com o curta “Casamento ou Luxo” (1923), filme pouco conhecido. No dia seguinte, sábado, 22, às seis da tarde, outro clássico dele, “Luzes da Ribalta” (Limelight, 1953). Nem é preciso falar algo sobre o filme, um dos mais conhecidos trabalhos de Chaplin. Basta recordar a trilha sonora que ele mesmo compôs e que até hoje é executada no mundo inteiro. Outra obra, portanto, para ser vista ou revista. E o ciclo chapliniano acaba no domingo, dia 23, às 5 e meia da tarde, com o magnífico “O Grande Ditador” (The Great Ditactor, 1940). Três anos antes, o diretor Alexander Korda sugeriu a Chaplin uma história sobre Adolf Hitler. O motivo?. Um erro de identidade, porque ele, Carlitos, tinha o mesmo bigodinho e poderia bancar o ditador nazista sem ofender ninguém. Não foi por aí. Dois anos de preparação do argumento chegou-se à história do barbeiro judeu e humilde que assume o lugar de Hitler, gira o mapa-mundi nas pontas dos pés como se fosse o dono do mundo – outra sequência magistral – e faz aquele seu clássico discurso final, onde foi além da fantasia e da ficção. Não sem problemas. O discurso final foi responsável, em grande parte, pela expulsão de Chaplin dos Estados Unidos, uma década mais tarde, quando o Governo norte-americano decidiu que um jundo de tensões seria mais proveitoso do que o mundo da razão. Ave, Bush!. Mas o apelo feito por Chaplin continua vigoroso como credo de um artista que acreditava que a consciência criadora jamais poderia ser silenciada.

16 de março de 2008

UM GRANDE MOMENTO DO VELHO “WESTERN” - ‘SETE HOMENS E UM DESTINO’, 1960.

No faroeste você já viu praticamente tudo. Já viu, por exemplo, John Wayne perder o chapéu durante uma briga?. Certamente nunca , porque o velho chapéu do “cowboy”fazia parte do corpanzil dele, um dos nossos melhores heróis das matinês. No bang-bang, é claro. Tivemos nas sessões dominicais dos cineminhas interioranos mais heróis do que a nossa imaginação poderia esperar, porque, naquelas boas épocas das pipóííuas e da troca de gibís antes do início das sessões, ou você estava paquerando a garota ou então esperava pelo início do filme. Que podia ser um longa ou, quase sempre, um capítulo de seriado. Então, a festa ia desde Nyoka até Flash Gordon, Jim das Selvas, Tarzã, o Fantasma, Mandrade, Roy Rogers, Gene Autry, o Zorro e outros emblemáticos, problemáticos e enigmáticos personagens, muitos deles nascidos originalmente nas histórias em quadrinhos, que talvez tenha sido a mais rica criadora de heróis para o cinema de aventura.

As emoções desses velhos tempos – puro saudosismo, é claro – ressurgiram quando o lado criança do diretor Steven Spielberg decidiu que a geração dos velhos precisava de um escape cinematográfico pra não morrer sem gozar aquelas deliciosas sensações do “continua na próxima semana”. E criou o mocinho Indiana Jones – Indiana é o nome do cão do produtor George Lucas - que é o sujeito que melhor se adaptou às nossas lembranças dos antigos heróis das sessões dos domingos. E não sem razão: os três filmes da série Indiana, “Os Caçadores da Arca Perdida”, “O Templo da Perdição” e “A Última Cruzada”, de 81, 84 e 89, respectivamente, resgataram a honra do cinema de pura aventura e emoções.

De certa forma, isso ocorreu também com o faroeste “Sete Homens e Um Destino” (“The Magnificent Seven”, 1960), o programão que o canal Cult (Net) exibe segunda-feira, dia 17 (20 horas), um horário, convenhamos, absolutamente ideal para quem não estiver ligado na favelinha do tal de Juvenal Antena, o xodó da novela Duas Caras”, da Globo. Cara por cara, fico com a de Yul Brynner no western que o diretor John Sturges realizou em 1960 montando um elenco de simpáticos fascínoras – Steve McQueen, Charles Bronson, Robert Vaughn, Brad Dexter, James Coburn – contratados para acabar com a farra dos bandoleiros de Eli Wallach que atazanavam a vida dos humildes camponeses de uma aldeia mexicana. São seis homens maus, pistoleiros de saque rápido que topam a parada e vão socorrer as pobres vítimas de constantes saques de suas colheitas. Falta um: é o jovem Horst Buchholz. E é aí que Sturges, sem nenhum constrangimento, revela de onde surgiu a idéia para o faroeste. Buchholz é o mesmo moço atrevido e pouco experiente que Toshiro Mifune desempenhou no clássico “Os Sete Samurais” (Shichinin no Samurai, 1954), de Akira Kurosawa, que tem aquela que os críticos consideram a maior batalha épica do cinema desde a criada por D.W.Griffith em “O Nascimento de Uma Nação”, em 1915.
John Sturges não precisou senão de uma boa história e um bom roteiro para adaptar aos tempos do bangue-bangue a saga dos guerreiros que no Japão feudal vão defender a aldeia ameaçada por quarenta bandidos saqueadores. E vão lutar a troco de comida. Na época, o filme recebeu de uma parte da crítica uma qualificação simplista e injusta, de que se tratava apenas de faroeste japonês. Mas não levaram em conta o fato de que a obra foi um exemplo engenhoso e original de como um tema modesto pode transmitir considerações preciosas sobre coragem, solidariedade, dignidade e moral. Evidentemente, comparar “Sete Homens e Um Destino” com o clássico japonês é bobagem. Mas o simples fato de John Sturges não ter destruído a trama original, transformando-a num western medíocre – ao contrário – nos anos 60 que já prenunciavam a decadência do gênero foi, por si só, uma homenagem aos melhores tempos dos mocinhos que brigavam por boas causas. O elenco sustenta o filme que, além de muita ação e uns rasgos de psicologia, tem a trilha sonora notável de Elmer Bernstein.

No livro “The American Cowboy”, publicado no início dos anos 80, Lonn Taylor e Ingrid Maar, os autores, garantem que o cowboy americano raramente portava uma arma, geralmente era negro ou mulato, às vezes índio, empoeirado e faminto, e desapareceu da América muitos anos antes do nascimento de John Wayne.Segundo a dupla, os trabalhadores migrantes a cavalo que deram origem à lenda faziam parte de um sistema que durou apenas 30 anos, de 1865 a 1895, tempo em que o “boom” da criação de gado empregava cerca de 50 mil “cowboys” nos Estados Unidos. Eles trabalhavam de março a setembro. No inverno, muitos lavavam pratos ou tomavam conta de “saloons”. Mas foram os homens que inspiraram as odisséias criadas pela multimilionária indústria do cinema que faturava alto enquanto seus personagens ganhavam no máximo 30 dólares por semana, trabalhando 14 horas diárias sob calor, poeira, chuva e frio, e alimentando-se de bife, feijão, bacon e biscoitos. O mito do “cowboy” como herói romântico, aventureiro e rápido no gatilho foi detonado em 1902 com a publicação do romance “The Virginian”, de Owen Wister, que no ano seguinte deu origem ao clássico “The Great Train Robbery” (“O Grande Roubo do Trem”), que Edwin S.Porter dirigiu e que é tido como o filme responsável por tudo o que viria depois no “western” que criou centenas de heróicos “cowboys”. Na prática, segundo o livro de Taylor e Maar, eles já haviam desaparecido: a expansão das estradas de ferro para o Oeste americano, a queda nos preços da carne e uma crescente e estrita divisão de terras tornou o cowboy uma figura redundante, reduzindo-o a simples mão-de-obra aproveitada nas fazendas. Essas avaliações podem servir para os dois autores do livro, mas pra nós não servem. Preferimos curtir, ainda hoje, qualquer bom faroeste. E curtir a nostalgia dos tempos do “aí, mocinho!”. E “Sete Homens e Um Destino” é dos bons tempos. Yul Brynner, na época, já era careca, mas escondia sua condição vestido todo de negro, sempre de chapéu, como um Durango Kid brigando na árida paisagem mexicana de cactus, iguanas, cobras venenosas e bandoleiros piores ainda.Algum tempo depois, o cinema americano, saudoso de histórias do Velho Oeste porque não tinha ninguém mais para criar roteiros no mínimo inteligentes e dignos do gênero, parecia ter desistido. Mas o “western” não morreu.

E nunca vai morrer, como não morrerão filmes sobre a Segunda Guerra – Clint Eastwood fez dois, ainda agora – e as outras crises norte-americanas no Oriente Médio, Afeganistão,Iraque, Irã – ainda não, mas estarão quase lá – e, por que não, também aqui na nossa América Latina com esses conflitos de republiquetas que acabarão dando a Hollywood a chance de criar aventuras de guerra que ainda não imaginamos, mas que terão nós, latinos, como personagens principais. Imaginem, por exemplo, um agente tipo 007 enfrentando inimigos colombianos no alto do prédio da Fiesp em plena avenida Paulista. Se duvidarem, esperem!. Ou acreditem que a nossa única esperança será Juvenal Antena.

11 de março de 2008

A RAINHA QUE FERROU A FOX - ´CLEÓPATRA´, 1963

A televisão paga vem exibindo há três semanas chamadas para que todo mundo pague pra ver, conhecer ou rever e nunca mais querer ver o monumento que foi “Cleópatra” , realizado em 1963. Na última sexta-feira, o crítico Luis Carlos Merten, num artigo no Estadão, comentou como “Os 101 Dálmatas”, aventura de primeira linha com personagens vivos, mulheres, homens e cachorros convivendo numa deliciosa história, tinha tirado os estúdios Disney de um golpe mortal, ou seja, a falência no seu departamento de cinema porque, na época, estava mais preocupada em investir dinheiro nos parques temáticos. Mas como sempre aparecem os salvadores da pátria, surgiram três, Andréas Deja, Clyde Geronimi e o diretor-geral do estúdio, Wolfgang Reitherman, o atrevido sujeito que, alguns anos depois da morte de Walt Disney, o mestre, descobriu que a molecada já não se interessava mais por anões, princesas, príncipes, lobos maus, fadas, madrinhas, pirilipinpins, elefantinhos, ratinhos, gatos e cachorros. Deu sorte. Com inovações, “Os 101 Dálmatas” tirou o atraso nas contas da empresa. E mudou as feições ortodoxas dos desenhos e aventuras produzidas nos estúdios Disney.
Pois bem. Isso vale para quem rever amanhã, quarta-feira, dia 12, às dez da noite, no telecine Cult da Net, o monumental “Cleópatra”, história da rainha que acabou com as finanças da gloriosa Twenthy-Century Fox, na mesma medida em que os dálmatas salvaram a Disney. Só que, no caso da Disney, não havia nenhum cachorro estressado pra atrapalhar as filmagens. Já em “Cleópatra” havia uma pedra no caminho, a atriz Elizabeth Taylor, metida num complicado enredo que, além da história sobre a rainha do Egito, tinha a história dela com crises nervosas, manias de prima-dona, flertes com o ator Richard Burton, brigas com produtores e diretor, atrasos nas filmagens etc,etc,etc.Os bastidores de “Cleópatra”, com certeza, dariam um filme muito melhor do que aquele que podemos conhecer ou rever na quarta-feira na televisão paga. Resta saber quem é que vai suportar os 243 minutos originais do filme- quatro horas e três minutos.A não ser aqueles que, na época, os anos 60, veneravam Elizabeth Taylor com toda a sua incontestável beleza, no rosto e na forma, e colecionavam a revista “Cinelândia”, que semanalmente botava fotos da estrela na capa pra vender motivações eróticas aos rapazolas que liam escondidos os gibis de Carlos Zéfiro. E depois ainda reclamavam de tantas espinhas no rosto.
Elizabeth Taylor foi o que foi Brigitte Bardot um pouco depois, ou seja, a divina inspiração dos garotos masturbadores que mais tarde passariam a curtir a Kim Novak de “Picnic” (“Férias de Amor”), sonhando com aquele mulheraço que dança “Moonglow” com William Holden e dá um show de sensualidade. Mas Miss Taylor não era o anjinho que a gente imaginava. Menos ainda os donos da Fox na época. “Cleópatra” custou 40 milhões de dólares para a Fox, um dinheirão na época. Hoje é grana de um filme de orçamento modesto. Com roteiro baseado em histórias narradas por autores gregos como Plutarco, e no livro “The Life and Times of Cleópatra”, de C.M.Franzero, era para ser o maior espetáculo já produzido por Hollywood . Foi um deles, entre muitos outros, mas enquanto os outros faturaram, as peripécias sentimentais, aventureiras e sexuais da rainha do Egito (69-30 a.C.), uma mulher que as enciclopédias dizem ter sido desprovida de beleza majestosa mas cheia de encanto e inteligência, notavelmente e sedutora de mão cheia. Não sem razão o produtor Walter Wanger escolheu Liz Taylor para o papel. Quem melhor?. Em 63, quando fez o filme, Elizabeth Rosemond Taylor tinha 31 anos e já faturara três maridos.Em 6 de maio de l950, disse que “o coração sabe quando se encontra o homem certo. Não tenho dúvidas de que é com Nick que desejo viver toda a vida”.Primeiro marido, Conrad Nicholson Hilton. “Só desejo estar com Michael, ser sua mulher, Para mim, isto é o começo de um final feliz”. Casório com ator Michael Wilding, em 21 de fevereiro de 1952. Wilding só ficou conhecido pelo casamento com ela, Liz Taylor.Não fosse isso, teria morrido no anonimato. Quando se casou com Mike Todd, em 2 de fevereiro der 1957, disse: “É dele o meu eterno amor...Este casamento vai durar para sempre. Acho que a terceira vez é a vez da sorte”.
Mas em 12 de maio de l959, a rainha do Egito botou chifres na ingênua Debbie Reynolds, que, pra quem não se lembra, fez “Cantando na Chuva”, o clásssico do musical americano, cantando com Gene Kelly.Roubou o marido dele, o inexpressivo Eddie Fisher, casou-se com ele dizendo que nunca tinha sido tão feliz na sua vida e prometia ficar em lua-de-mel “durante trinta ou quarenta anos”.; Claro, ninguém acreditou, porque Liz Taylor já era quase uma ninfomaníaca. E essa queda por homens bonitos iria acabar quando, nas filmagens de “Cleópatra”, insistiu para que o marido Eddie Fisher ganhasse um papel, brigou com meio mundo, teve pneumonia, fingiu o diabo, atrasou as filmagens que custavam 130 mil dólares por dia, meteu o pé no traseiro do marido e. gamada por Richard Burton, casou-se com ele em 15 de março de 1964 com a seguinte jura de amor, segundo o livro da jornalista norte-americana Kitty Kelley: “Estou tão feliz que é quase impossível de acreditar...Amo-o tanto que seria capaz de ficar a seu lado, não importa o que ele pudesse fazer, e o esperaria sempre”.
Bem, com uma rainha egípcia desse tipo, nenhum filme precisaria de mais nada. E se vocês esquecerem os bastidores de “Cleópatra” e prestarem atenção ao que o filme mostra nas suas quase quatro horas, vão descobrir porque a Fox se ferrou gastando tanto dinheiro. Claro, é tudo muito bonito: cenários, fotografia, figurinos, etc, etc. Acabou ganhando quatro Oscar do segundo time, mas o que Fox queria era tudo, ou seja, todos os prêmios principais no Oscar de 1963. O filme foi fragorosamente derrotado por “As Aventuras de Tom Jones”, de Tony Richardson, e nem Liz Taylor, nem Richard Burton e menos ainda Rex Harrison passaram perto das indicações para intérpretes.
O maior prêmio de Liz Taylor como Cleópatra foi ter ganho o marido Richard Burton, Aliás, ela mesma se encarregou de chutar pouco tempo depois, até voltar atrás e viver com ele até o cansaço de tanta cama e bebida. Liz Taylor continua colecionando maridos e permanece bonita graças aos botox e plásticas, Mas, depois de tudo, termino aqui. Se vocês quiserem ver “Cleópatra”, escrevam depois para o meu blog. De minha parte, termino por aqui porque incorreria no erro de montar um texto mais longo do que as quase quatro horas do filme. Boa noite, e boa sorte.

4 de março de 2008

O FIM DO MUNDO

O cinema já nos convenceu de que o mundo já acabou há muito tempo, e que os teimosos somos nós que, apesar de todas as tragédias, insistimos em continuar vivendo como se nada tivesse acontecido. Nostradamus (1503-1566), o médico e astrólogo francês, vai continuar sendo ridicularizado enquanto existir alguém filmando histórias sobre a hecatombe, e certamente ficaria maluco se soubesse e visse tudo o que o cinema já mostrou acerca do nosso destino, aliás nada agradável. Azar dele porque, desde os anos em que viveu até hoje, suas teorias e profecias foram - e continuam sendo – temas sobre os quais mergulham escritores, dramaturgos, aventureiros, cineastas, picaretas de imagens e vendedores de catástrofes dos mais variados tipos.
De que forma o mundo pode acabar?. Pergunta que a filha de um amigo deve responder no trabalho solicitado pela professora no curso de Comunicação. O mote é o recente “Eu Sou a Lenda” (I Am Legend, 2007), filme do americano Francis Lawrence ainda em exibição em cinemas da cidade. Will Smith é um cientista do Exército norte-americano que em 2012, três anos após a destruição global provocada por um vírus, pensa ser o único sujeito que sobrou na Terra e vaga pela destruída Nova York acompanhado por uma cadela viralata, tão assustada quanto ele, e passa o tempo conversando com bonecos e bonecas de vitrines, manequins que ajudam o herói a vencer os tediosos dias que sucedem ao desastre da humanidade. Mas Robert Neville acaba descobrindo que não é o último sobrevivente. Tem mais, só que o resto virou um bando de zumbis, tipos selvagens que vivem nos subterrâneos porque não suportam a claridade.
A história vem de uma ficção do escritor Richard Matheson, um autor inspiradíssimo que o cinema utilizou várias vezes e que tem certa queda por histórias ficcionais com poucos personagens e uma avalanche de surpresas e sustos. Basta lembrar que é dele a trama muito bem urdida de “Duel”, que Steven Spielberg adaptou para a televisão em 1971 no seu hoje cult “Encurralado”, um filme sem nenhuma pretensão que acabou virando um sucesso mundial quando transferido para a tela grande e colocou o nome de Spielberg no rol dos melhores e mais criativos diretores de nossa época. Tal qual o cientista de “Eu Sou a Lenda”, lutando contra forças que desconhece, Dennis Weaver é o caixeiro viajante obrigado a enfrentar o psicopata que o persegue dirigindo um caminhão tanque que assume os contornos de um dinossauro e cujo rosto nunca aparece. Um ardiloso golpe que tanto Matheson quanto Spielberg usaram com riqueza para assustar quem leu o livro e depois viu o filme. O personagem vivido por Will Smith em “Eu Sou a Lenda” nos faz lembrar o náufrago do recente filme onde Tom Hanks, para não ficar louco na ilha onde vai parar após a queda do avião no mar, encontra numa bola de vôlei, que chama de Wilson - nome da marca da bola, grande merchandising -, a única companheira para conversar e contar suas desilusões e esperanças enquanto espera que surja um resgate.
A ficção de Richard Matheson teve duas versões anteriores a esta que está em exibiçãonos cinemas, e é sobre elas que me pedem informações para o trabalho escolar. Bem, a primeira, segundo os estudiosos do cinema de ficção futurista, ou científica, foi de 1963, uma co-produção ítalo-americana intitulada “The Last Man on Earth” e exibida no Brasil como “Mortos Que Matam”, dirigida por Sidney Salkov, com Vincent Price no papel do cientista Robert Neville. Não localizei outras referências ao filme, a não ser que, na versão italiana, levou o título de “Vento di Morte”, assinada.por um tal de Ubaldo Ragona que ninguém por aqui deve conhecer.
Em 1971 apareceu “A Última Esperança da Terra” (The Omega Man), uma produção americana dirigida por Boris Sagal, do segundo ou terceiro time de realizadores, em nível de criação, onde Charlton Heston é o mocinho. O fim do mundo é situado em 1975. E Heston, imune aos efeitos da guerra atômica graças a um soro, tem de enfrentar as pessoas que sofreram mutações, são “fotófobas” e agrupam-se numa família liderada por um fanático religioso de nome Mathias. `Se levarmos em consideração as fantasias desta versão e as que estão em “Eu Sou a Lenda”, o filme com Will Smith leva vantagem graças aos melhores efeitos especiiais obtidos via computação e pelos ótimos enquadramentos do cenário da Nova York aniquilada. Além do que Smith, bom ator, garante a ligação entre ele e o espectador, e é provável que os espectadores de hoje nem sabem quem foi Charlton Heston.
Para ilustrar melhor o trabalho da aluna, tem mais umas informações. O escritor Richard Matheson escreveu roteiros para o cinema e adaptações para filmes de suspense, horror, terror etc. Entre eles estão “A Filha de Satã”, de 61, “As Bodas de Satã”, 69, a versão de “O Incrível Homem Que Encolheu”, de 57, dirigida por Jack Arnold, também baseado em livro seu, e trabalhos para a série de filmes do diretor Roger Corman baseados em livros de Edgar Allan Poe. O fim do mundo não seria melhor nem mais imaginativo sem as histórias de Matheson.
Aliás, fim de mundo não é novidade no cinema. Dezenas de filmes trataram do tema desde os anos 30, ou até antes, e cito uma lista de alguns, a maioria de baixa qualidade mas que os cinéfilos curtem até hoje porque são raridades que você não vai encontrar em nenhuma locadora de vídeo. Por exemplo: “A Destruição do Mundo”, “Os Últimos Cinco”, “Três Mil Anos Depois de Cristo”, “Vinte Milhões de Léguas a Marte”, “A Hora Final!, “A Máquina do Tempo”, “O Dia em Que a Terra se Incendiou” (título horripilante), “Pânico no Ano Zero” e por aí. Mas, já nos anos 60, nasceram obras notáveis sobre o tema fim de mundo. Lembram-se de “Doutor Fantástico”, que Stanley Kubrick realizou em 1963, com a magnífica atuação de Peter Sellers fazendo três personagens, e o clássico final do cowboy montado na bomba atômica?. A maioria dos filmes não passou de bobagens. Mas o gênero tem seus clássicos. Outro é “Limite de Segurança”, de Sidney Lumet, de 64, e outro ainda é “A Guerra dos Mundos”, que ganhou recentemente nova versão assinada por Steven Spielberg. E não podemos esquecer a série “Planeta dos Macacos”, quatro filmes assinados por diretores menos cotados como Franklin J.Schaffner, Ted Post, Don Taylor e J.Lee Thompson.. O cinema, enfim, já destruiu o mundo muitas vezes, mas o mundo ainda não acabou.