Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

1 de fevereiro de 2008

FRASES E HISTÓRIAS II


Em 26 de janeiro li no “Estadão” o artigo do meu amigo Sérgio Augusto onde ele diz que aqueles que imaginam assistir filmes longos na telinha do aparelho celular podem esquecer. A moda não vai pegar. E nem pode. A propósito, o crítico carioca citou um videoclipe do diretor David Lynch (“Veludo Azul”, “O Homem Elefante”) descendo o pau no que está sendo considerado o mais badalado gadget eletrônico da Apple. O videoclipe de Lynch dura 30 segundos e pode ser encontrado no YouTube. Quem se interessar pode consultar. Lynch adverte: “Se você assiste a um filme num telefone, nem num trilhão de anos irá desfrutá-lo a contento. Você vai pensar que o desfrutou, mas foi engano seu. É muito triste ver alguém acreditar que se possa assistir a um filme na bosta de um telefone. Caia na real”.
Em resumo, aproveitando a bronca de Lynch, o autor do artigo afirma – e concordo – que seria mais um ataque a tudo aquilo que o cinema inventou até hoje em 113 anos de história, desde a chegada do som até inovações outras como o filme em cores, o cinemascope, o dolby, a terceira dimensão etc. “Uma série de fatores – afirma o jornalista Sérgio Augusto – praticamente acabou com as antigas salas de exibição, eliminando o ritual cinematográfico, a missa leiga do entretenimento de massa, a mais popular e universal curtição coletiva, substituída pelo comodismo televisivo, pela insularidade doméstica. Houve perdas e ganhos nessa reviravolta, parcialmente tecnológica, como houvera na passagem do silencioso para o sonoro. O videocassete foi um avanço. Com o advento dos televisores de plasma, com 40 polegadas ou mais, e maior nitidez das imagens, até os cinéfilos mais ortodoxos preferiram relaxar e aproveitar a farra dos DVDs”.
“Nas décadas passadas, algum cineasta tão consciente, purista e audacioso quanto Lynch poderia ter vindo a público recriminar quem aceitava ver filmes “na bosta de um televisor”, mas ninguém veio”, afirma o crítico, lembrando que quando surgiu o Cinemascope para tentar recuperar as platéias roubadas pela TV, diversos diretores extravasaram seu desagrado. Ele cita George Stevens (“Os Brutos Também Amam”) que, ao saber da novidade, o Cinemascope que surgiu na década de 50, disse: “Só é bom para filmar jibóias”. Também lembra Fritz Lang (“M, O Vampiro de Dusseldorf”), que sentenciou: “Só é bom para filmar cortejos fúnebres”. “Se não tivesse durado tão pouco, a moda da Terceira Dimensão teria sido execrada com a mesma intensidade”, sapeca o analista, garantindo que o cinema miniaturizado nos “smartphones” é um “deplorável capitis diminutio”.
David Lynch, na sua bronca em cima da possível adesão de Hollywood à novidade, diz que “se virar mania, nem “O Pequeno Polegar” e “O Incrível Homem Que Encolheu” ficarão bem na microtela de um celular”. O sarcástico Sérgio Augusto ainda encontrou espaço para brincar com o assunto em análise no seu artigo. Segundo ele, se a moda pegar, Hollywood vai propagar frases como “em breve, na palma de sua mão, “O Menor Espetáculo da Terra”. Se isso vier a ocorrer - na indústria cinematográfica tudo é possível – os sucessos do que outrora chamavam de cinema “serão filmes já no título coerentes com suas lilliputianas dimensões”, afirma o articulista. E, em tom de pura gozação, cita “A Pequena Ilusão”, “O Homem Que Sabia de Menos”, “Fellini Um e Meio”, “Os Fuzis de Navarone”, “A Pinguela do Rio Kway”, “Se Minha Kitchenette Falasse”, “Os Cinco Mandamentos”, “Baixa Sociedade”, “Essa Loura Vale Um Tostão”, “Os Três Samurais”, “Um Homem Chamado Pônei”, “O Pequeno Ditador”, “O Bote das Ilusões”, “Um Beco Chamado Pecado”.
Eu emendaria com “A Volta ao Mundo em 8 Dias”, “O Mansinho Dr. No”, “Adivinhe Quem Vem Para o Café”, “Os Dois Mosqueteiros”, “O Esfarrapado Mr.Deeds”, “Tempos Antigos”, “Apagões da Cidade”, “Uma Tarde na Ópera”, “ ...E o Vento Não Levou”, “O Morrinho dos Ventos Uivantes”, “Um Dedo Que Cai”, “Boca Profunda” e vai por aí. Quem tiver tempo pode imaginar novos títulos e oferecer aos magnatas de Hollywood que já devem estar maquinando o que fazer para agradar os que se atreverem a assistir filmes na telinha do celular.

Um comentário:

Unknown disse...

Olá Orlando,

Maravilhoso o texto! Realmente, é o fim do mundo acreditar que o futuro do cinema estará confinado em algumas míseras polegadas de tela de telefone celular.

Abraço,

Marcos Martinelli