Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

23 de fevereiro de 2008

DELMIRO GOUVEIA, UM ANÔNIMO

Garimpando recentemente as empoeiradas gôndolas da locadora do bairro, onde nós, os chamados ratos de cinemateca podemos encontrar velhos filmes em VHS, ainda assistíveis, sem defeitos, alguns até em cópias renovadas, como achei “My Fair Lady”, por exemplo, dei de cara com uma cópia do já hoje velho “Coronel Delmiro Gouveia”, nacional realizado em 1977 pelo diretor Geraldo Sarno. Foi definido em algumas publicações como “um filme simples que procura fazer a defesa dos empresários nacionais”. Até aí, tudo bem, mas é preciso conhecer muito mais sobre quem foi e o que representou este personagem histórico e pouco conhecido, que ganhou apenas rápidos verbetes nas nossas enciclopédias. Interpretado no cinema pelo ator Rubens de Falco, o coronel Delmiro Gouveia, cearense de Ipu, nascido em 1863, assassinado em Alagoas em 1917, de origem humilde, começou a vida em Pernambuco, onde enriqueceu com o comércio de peles. Foi dono da maior refinaria de açúcar da América do Sul, entrou em inúmeras frias, perdeu muito dinheiro e, aos 40 anos, ainda moço, decidiu que seu melhor lugar era o sertão alagoano, uma pequena vila de nome Pedra, perto do rio São Francisco, que hoje provoca tanta discussão entre os que apóiam e os que não aceitam a transposição de suas águas. Naquela época, com certeza Delmiro Augusto da Cruz Gouveia não pensava nisso.

Voltou a ganhar dinheiro com o comércio de peles, e foi então que iniciou um ambicioso projeto de aproveitamento das águas fluviais como energia para acionar geradores de eletricidade. Os historiadores garantem que ele foi o pioneiro da hidrelétrica de Paulo Afonso. Isso porque implantou na região uma fábrica de linhas, abriu estradas, construiu alojamentos para os operários e ajudou como pode, social e economicamente, o pequeno lugarejo. Tinha suas razões. Foi lá que reconquistou a sua grana. Então vieram as pressões políticas, e Delmiro Gouveia acabou assassinado a mando de grupos econômicos que, tendo conseguido a compra da fábrica, destruíram as máquinas e jogaram o ferro velho pela cachoeira.
Assim, Delmiro Gouveia acabou. Acabou? Não. Sujeitos determinados como ele foi não acabam nunca. Simplesmente vão embora dessa pra melhor, se bem que ninguém até hoje voltou pra dizer se a coisa pra lá é melhor mesmo.

Em 24 de março de 1979 escrevi na “Folha de S.Paulo” a minha crítica sobre o filme de Geraldo Sarno, afirmando que um dos aspectos mais destacados e expressivos da obra foi a forma como o diretor misturou o documentário e a ficção para narrar parte da história de um brasileiro que poucos conhecem e que o cinema estava finalmente resgatando. Disse que, numa realização simplória e objetiva, construída dentro de uma fórmula que Geraldo Sarno já vinha utilizando em sua carreira de documentarista – um dos melhores – explorando temas ligados ao Nordeste, esta sua obra poderia ser um estudo mais amplo sobre a controvertida figura de Delmiro Gouveia. Mas o diretor, fiel ao seu estilo, optou pelo realismo do cinema-verdade, ilustrando muitas passagens com uma narrativa linear que nos passa a impressão de que, mais do que a ficção, o que nós temos no filme é um documento.
Assim, podemos refletir a respeito desse personagem. Foi realmente o primeiro nacionalista? Foi, de fato, o pioneiro na industrialização do Nordeste, na transformação dos sertões, no aproveitamento do seu potencial de mão-de-obra que, diretamente, ampliaria as condições sociais da grande região? Tudo o que conhecemos sobre o coronelismo, essa praga que nunca morre, está nas imagens de “Coronel Delmiro Gouveia”. De cara, num depoimento, um velho nordestino diz o que representou a chegada, na região, do homem enérgico e disciplinador. Entra a ficção e temos lances do primeiro golpe político aplicado contra o coronel pelos poderosos, no primeiro dia do século passado, que foi o incêndio no Mercado do Derby, em Recife, que Delmiro mandara construir para que a produção pudesse ser negociada a preços menores, sem exploração dos gananciosos intermediários. Foi aí que Delmiro começou a se estrepar.Teve de fugir para o sertão e, daí em diante, Geraldo Sarno divide sua obra em etapas significativas para explicar o personagem e as condições sócio-econômicas da época. E também explicar porque os interesses multinacionais tentaram – e conseguiram – destruir um homem que havia transformado ignorantes em operários especializados para sua indústria de linhas de costura, dando-lhes condições melhores de saúde, habitação, higiene, alimentação e lazer. Sua persistência em competir no mercado com os ingleses da Machine Cottons, que nunca admitiu concorrência, acabou no assassinato do coronel. Os equipamentos de sua indústria foram jogados na cachoeira de Paulo Afonso, exatamente onde Delmiro Gouveia havia construído a primeira das nossas usinas hidrelétricas, cravada numa borda da montanha.
É gostoso rever a trajetória dessa figura brasileira. Geraldo Sarno e seu colaborador no roteiro, Orlando Senna, poderiam ter contado muito mais, mas optaram pelo filme sem longos discursos que, no cinema brasileiro, acabam sempre caindo no panfletário. Nessa linha, podemos aproximar o filme do também politicamente correto “O Caso Mattei” (1971, Palma de Ouro em Cannes), do italiano Francesco Rosi, que narra a trajetória de Enrico Mattei, aquele italiano metido a besta que ousou enfrentar as Sete Irmãs, as multinacionais do petróleo, e, tal qual Gouveia, acabou numa cova, vítima também do jogo sujo e violento. Sugiro que o leitor conheça o filme. Vai começar a entender algumas causas das nossas sucessivas crises de apagões energéticos. E talvez chegue à conclusão de que, se vivesse nesta nossa época, o coronel Delmiro Gouveia seria o nome mais indicado para ser o nosso ministro de Minas e Energia. Ele, pelo menos, entendia do assunto.

Em tempo: comecei este artigo anteontem, dia 20. Ontem, 21, ouvindo o noticiário no café da manhã, fiquei sabendo que o ator Rubens de Falco tinha falecido aos 76 anos, vítima de uma parada cardíaca, conseqüência de um acidente vascular cerebral. No papel de Delmiro Gouveia, Rubens de Falco enriqueceu o personagem nacionalista que os nordestinos consideram um herói sem estátua. De Falco teve participação significativa no cinema nacional e, principalmente, na TV, em telenovelas que marcaram época, como “A Escrava Isaura” e “Os Imigrantes”, as duas na Bandeirantes. No cinema brasileiro, melhor mesmo é lembrar a atuação dele em “Coronel Delmiro Gouveia” e esquecer títulos muito menos expressivos que nem merecem ser citados. Foi sempre um ator competente.

7 comentários:

Anônimo disse...

Caro Orlando Fassoni, gostaria de saber seu e-mail, pois pesquiso sobre Delmiro Gouveia.

Anônimo disse...

[B]ESTOU FASENDO UM TRABALHO SOBRE A VIDA E A OBRA DE DELMIRO AGUSTO DA CRUZ GOLVEIA MAS NAO SEI NADA SOBRE ELE SE QUE VC PODERIA ME AJUDAR??
OBRIGADA

Anônimo disse...

Estou fazendo um trabalho sobre Delmiro Gouveia,pois trabalho na Escola do Estado que tem o nome de DELMIRO GOUVEIA.....Se eu peder lhe ajudar, depois eu te enviarei algo sobre ele, ok?

(Anônima)

Anônimo disse...

Prezado Orlando Fassoni ,

Estou pesquisando a vida de Delmiro Gouveia (Coronel dos Coroneis), gostaria de saber se você possui algum material na qual posso utilizar na minha apresentação.

Caso possa me ajudar segue meu e-mail caso tenha alguma informação importante referente a vida de Delmiro Gouveia.

natany_314@hotmail.com

Desde de já Agradeço
Natany Campos

Anônimo disse...

Companheiro Fassoni. Ao ler esta materia no seu blog e saber que possui uma cópia do filme Coronel Delmiro Gouveia me encheu de esperança.
Há muito pesquiso na internet sobre este filme (para compra-lo ou baixa-lo). Sem sucesso fui obrigado a mandar e-mails para algumas emissoras de tv. Sem sucesso. Sou da cidade de Delmiro Gouveia, no estado das Alagoas, terra dos marechais. Fiquei assobrado quando descobri o filme a aproximadamente 30 dias e saber que ninguém na cidade tem! Seria de uma importância tremenda a divulgação deste filme quase desconhecido aqui.
Gostaria que se possível me cedesse uma cópia deste filme.Grande abraço.

Contato: f.idalino@gmail.com

Anônimo disse...

olá fassoni sou da cidade de pé de serra bahia onde cenas do filmes coronel delmiro gouveia foi gravada. vi o filme varias vezes como a minha cidade hoje mudou suas serras continuam aqui a do leão e a do bugí conheço um senhor que fez parte desta história é o cara que matou um policial ; nós pedesserrenses ficamos orgulhosos de ter nosso torrão natal neste belo filme .milla

Anônimo disse...

Puxa vida! Já andei garimpando à procura desse filme, mas não obtive sucesso. Gostaria de ter uma cópia dele para utilização em sala de aula. Há alguma possibilidade de conseguir isso contigo? Qq coisa, faça contato: anteroeugenio@uol.com.br