Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

21 de fevereiro de 2008

ICHIKAWA, ROBBE-GRILLET, WAJDA

Na semana passada levaram Roy Scheider, o matador de tubarão. Também foi embora um dos grandes e mais expressivos nomes do cinema japonês, Kon Ichikawa. E agora, no início desta semana, leio sobre a morte de Alain Robbe-Grillet, um dos grandes da literatura francesa e também, por que não, do cinema. As bruxas estão soltas e atacam gente da melhor qualidade, sem antes perceber que há, por aí, um bando de alienados matando gente a torto e a direito, como o sujeito que invadiu o posto de gasolina e atropelou o frentista, o maluco que dirigiu na contra-mão na Castelo Branco, o outro que liquidou cinco ou seis em escola norte-americana, sem contar que, por aqui, na pátria amada, o que mais se ama é o cartão de crédito do qual nenhum político quer se livrar. A morte do diretor Kon Ichikawa, aos 92 anos, na terça da semana passada – 12 de fevereiro – empobreceu um pouco mais o cinema do Japão. No cinema japonês não que ele fazia muita falta, porque não filmava há anos. Mas principalmente pelos bons filmes que realizou em sua carreira, construída nos anos em que o cinema japones tinha nomes mais expressivos, como Akira Kurosawa, Massaki Kobayashi, Tadashi Imai, Tomu Ushida, Eizo Sugawa e Hiroshi Inagaki, entre outros menos talentosos e internacionalmente menos conhecidos. Foi a época em que Kurosawa, com o seu hoje clássico e fantástico “Os Sete Samurais” (1954), Oscar de melhor obra estrangeira em Cannes, em 55, abriu as portas do Ocidente para um cinema até então fechado em suas próprias limitações – ou receios de se expor diante do mundo – e que depois, junto com outras preciosidades como “Rashomon” (1950, Oscar de melhor filme estrangeiro) do mesmo Kurosawa, perdeu o medo e arrebentou. Os cinéfilos, depois desses dois títulos e de alguns outros, descobriram que aqui, São Paulo, as pequenas salas de exibição situadas no bairro da Liberdade já vinham oferecendo essas jóias que ficavam limitadas aos espectadores da colônia e nem chegavam aos cinemas do centro da cidade. Depois tudo mudou, culpa de Toshiro Mifune que, descobrimos, foi o maior samurai do cinema. Mas vieram obras preciosas tipo “Onibaba”, “A Ilha Nua”, “O Gato Preto” e por aí.
Cinema japonês já não era sinônimo de bobagens. Nem aqui nem em lugar nenhum. Assombrou o mundo, e me recordo que, quando jovem, o cine Marília, lá no Interior, tinha semanalmente uma sessão especial, se não me engano às terças-feiras, só com cinema japonês. E era casa cheia. Foi lá que vi pela primeira vez “Os Sete Samurais” e comecei a verificar que cinema não era somente Hollywood. Mas estamos falando sobre a morte de Kon Ichikawa. Não foi um cineasta de tanta mão cheia quanto Kurosawa, ou Uchida, ou Kaneto Shindo, mas teve os seus méritos. No começo dos anos 60, por exemplo, realizou “Fogos na Planície”, libelo sobre a Segunda Guerra; em 65 ganhou o prêmio da crítica em Cannes pelo documentário monumental que realizou sobre a Olimpíada de Tóquio. Mas os críticos gostam mesmo é de “A Harpa da Birmânia” (1956), também antibelicista, embora façam referências elogiosas a “Eu Sou Um Gato” (1975), que não conheço mas me parece uma refilmagem do clássico “Um Dia, Um Gato”, o delicioso poema cinematográfico que o tcheco Vojtech Jasny filmou em 1963. Ichikawa, de qualquer forma, deixou seu nome marcado entre os grandes do cinema do Japão, aquela geração que abriu todos os caminhos para conquistar o Ocidente.
E, coincidentemente, deste ontem, dia 20, comemorando o centenário da chegada dos primeiros imigrantes japoneses ao Brasil, o Centro Cultural Banco do Brasil tem uma retrospectiva riquíssima do cinema do Japão. Tem filmes de Yasujiro Ozi, Kenji Mizoguchi e outros cineastas. Eu recomendo “A Ilha Nua”, de Kaneto Shindo, obra magnífica onde o único som de voz humana é o grito desesperado de uma mulher.

GRILLET

Na segunda-feira, 18, morreu outra figura importante nas Letras e no cinema: Alain Robbe-Grillet, que estava nos seus 85 anos e foi um dos grandes nomes do chamado “nouveau roman”, o movimento que mexeu fundo com a literatura francesa, tanto quanto o cinema neo-realista na Itália, o “film noir” nos Estados Unidos e, por que não, o nosso Cinema Novo. Grillet acabou ficando conhecido mais pelo roteiro de um clássico, “O Ano Passado em Marienbad”, de 1961, realizado por Alain Resnais, do que exatamente por sua obra literária, embora importante também. Mas se perguntarem a algum estudante de cinema quem foi Robbe-Grillet, vão associar seu nome ao filme de Resnais, embora, acredito, a maior parte dos que estudam cinema nas nossas escolas de Comunicação nunca ouviram falar dele. E nem assistiram uma única vez o clássico que, segundo os estudiosos, é um filme tão enigmático quanto fascinante.
O diretor Alain Resnais, que sempre buscou novas formas para a linguagem cinematográfica, soube como utilizar com riqueza as ambigüidades do roteiro de Robbe-Grillet. E união entre os dois, Resnais e Grillet, nos deu outra obra-prima.

WAJDA E AS GUERRAS

O polonês Andrzej Wajda voltou com tudo. Depois de alguns anos de jejum cinematográfico, realizou “Katyn”, puro cinema político, mais uma vez, exibido no Festival de Berlim que terminou há uma semana e consagrou com o Urso de Ouro o nosso “Tropa de Elite”. Wajda é um especialista em fazer filmes sobre os problemas, a violência, os dramas e todos os outros problemas que envolvem qualquer guerra. Fez isso em quase todos os seus filmes, desde o clássico “Cinzas e Diamantes”, dos anos 50, sobre a atmosfera de hecatombe que persidiu ao nascimento do novo Estado polonês, até “Canal” e os mais recentes, “O Homem de Ferro”, e, agora, este “Katyn”, inédito aqui. Não vi, mas imagino o que Wajda deve ter feito, mais uma vez, com os dramas de seu povo, as tragédias históricas que sempre foram suas preocupações e estão nos seus melhores filmes, inclusive aqueles que mostram a ascensão do Solidariedade, o sindicato do líder Lech Walessa, mais tarde, tal qual o nosso Lula, elevado à presidência da Polônia. Como ainda não conheço, fico com os comentários do crítico Luiz Carlos Merten, no Estadão de 16 de fevereiro, quando ele faz referências ao fato de que, em Berlim, este ano, encontraram-se dois dos mais aplicados cineastas de filmes políticos dos últimos anos, Wajda e o italiano Francesco Rossi. Já imaginaram o que deve ter saído de qualquer conversa entre os dois?. Merten, no seu jornal, informa que Wajda sempre quis contar a história de Katyn que é a seguinte, resumindo: no início dos anos 40, cerca de 22 mil oficiais militares e intelectuais foram mortos pelo Exército Vermelho na floresta de Katyn. Um crime que durante muito tempo foi atribuído aos nazistas, mas na verdade foi coisa do sanguinário Joseph Stalin, que então já fazia planos para invadir a Polônia, no fim da Segunda Guerra. “Esta história sempre me interessou de maneira particular porque meu pai foi um dos oficiais mortos em Katyn”, reproduzindo declarações de Wajda ao crítico brasileiro. Que emenda: “Foi uma experiência muito dolorosa que fiz para exorcizar uma tragédia que se abateu sobre minha família, quando eu ainda era muito pequeno”. No seu comentário no Estadão, Merten diz que a preocupação de Wajda, agora, é evitar que seu filme seja utilizado politicamente, na Rússia ou em qualquer outra parte, porque diz Wajda – “existem políticos russos interessados em vincular o lançamento do filme à data de aniversário de Stalin, para criticá-lo. Este filme é uma experiência muito íntima e não quero servir como massa de manobra. Estaremos, mais uma vez, diante de outra obra politicamente correta de um cineasta politicamente correto. Como sempre foi.

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