Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

8 de fevereiro de 2008

ROBERTO SANTOS

Um amigo cinéfilo lembrou-se da data: 3 de maio de 1987, o dia da morte do diretor paulista Roberto Santos. Há 21 anos, portanto. Ele se sentia chateado porque, no ano passado, a mídia cinematográfica praticamente ignorou o fato de estarem sendo lembrados os 20 anos do desaparecimento do cineasta. E pediu-me que, em homenagem a ele, Roberto Santos, eu colocasse no meu blog algum texto sobre o cinema dele, seus filmes e o que ele representou para o movimento cinematográfico paulista e brasileiro. Portanto, eis aí um apanhado que talvez dona Marilia Santos venha a ler pra saber que os que conheceram e conviveram com seu marido não se esqueceram dele, nem de uma de suas frases mais criativas e citadas: “o problema do cinema brasileiro é não ser estrangeiro”.
Roberto Santos morreu aos 59 anos quando desembarcava no aeroporto de Cumbica, retornando do Festival de Gramado, RS, onde havia concorrido com sua última obra, uma versão livre do romance “Quincas Borba” que, pra decepção do diretor, não agradou ninguém, nem público e nem críticos – e aí eu me incluo – que receberam o filme com uma frieza glacial. Talvez esse fato tenha colaborado na parada cardiovascular que sofreu no desembarque. Três anos antes, Roberto Santos tinha sofrido uma ameaça de enfarte. No PS do aeroporto, foi atendido pela médica Lúcia Raquel Souza Dias, mas já era tarde. Eu cheguei em Cumbica no vôo seguinte ao dele, também vindo de Gramado,e foi a atriz Irene Ravache quem me passou a notícia. Na época, a agência Jornal do Brasil e um dos filhos do cineasta garantiram que não havia médicos de plantão no aeroporto, mas a médica Lúcia Raquel garantiu ele Roberto Santos havia sido transportado para o hospital Carlos Chagas ainda com chances de sobrevivência, mas as tentativas de salvá-lo foram em vão.
Um dos nomes mais expressivos do Cinema Novo brasileiro surgido na década de 60, Roberto Santos nasceu aqui mesmo em São Paulo em 1928. Estaria agora nos seus 80 anos, 35 deles construindo uma exemplar filmografia que, embora com altos e baixos, está registrada na História do filme nacional pelo rigor narrativo de suas principais obras. Depois de freqüentar dois dos primeiros cursos de cinema promovidos aqui, Roberto Santos iniciou a carreira de onze filmes trabalhando como assistente de direção do diretor Nelson Pereira dos Santos em “Rio, 40 Graus”, de 1955, um marco do cinema que a partir daí provocaria a revolução na linguagem e na temática do filme brasileiro, até então praticamente mergulhado nas chanchadas.
Seu primeiro filme longo, “O Grande Momento”, é até hoje visto como um marco da observação de costumes ambientado na zona Leste de São Paulo, embora hoje, 21 anos depois de sua morte, Roberto Santos certamente teria mais concorrentes no cinema tipicamente paulista. Por exemplo: Carlos Reichenbach, João Batista de Andrade e Ugo Giorgetti, que se especializaram em usar os confins ameaçadores da megametrópole como cenários para seus filmes, E muito bem, diga-se. Vocês viram, por acaso, “Lillian M” e “Anjos do Arrabalde”, do primeiro, Reichenbach; ou “A Próxima Vítima” e “O Homem Que Virou Suco”, do segundo, Batista, ou “Boleiros”, de Giorgetti?. Então vejam.
Oito anos depois, em 66, Roberto Santos fez o que mais desejava: adaptar para o cinema uma obra literária de João Guimarães Rosa, o escritor mineiro que ele curtia. Poderia ter sido “Grande Sertão: Veredas”, ou “Miguelin”, ou “A Hora e Vez de Augusto Matraga”. E sobre o último título, uma recomendação aos iniciantes em cinema: o original é mesmo assim, “A Hora e Vez de Augusto Matraga”. E não “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”. Bem, Roberto Santos preferiu adaptar “Matraga”. Morreu sem filmar “Miguelin”, e quando me visitava, na Redação da “Folha de S.Paulo”, discutíamos as riquezas da história do escritor mineiro e suas possibilidades de se tornarem, também, narrativas poéticas e vigorosas como foram as de “Matraga”, as aventuras do jagunço violento que, depois de traído, retira-se para uma espécie de meditação e auto-flagelação. A história de Matraga é parte da primeira coletânea do escritor, “Sagarana’, e foi adaptada ao teatro pelo diretor Antunes Filho.
“Matraga” foi, sem dúvida, o grande momento de Roberto Santos no cinema brasileiro, pelo tratamento do tema, pelo elenco – um Leonardo Villar com jeitão de anjo e demônio - , pelos cenários rudes e secos, pelo clima de ansiedade, lirismo e brutalidade, pela fotografia despojada e pela trilha sonora composta especialmente por Geraldo Vandré, que tem “Modinha” e “Cantiga Brava” como carros-chefes. Sorte de Guimarães Rosa, que no cinema brasileiro poderia ter visto a versão de “Miguelin”, projeto que Roberto Santos não teve tempo de realizar, e azar dele, o escritor, porque nem “Sagarana, o Duelo”, nem “Grande Sertão: Veredas”, foram, nas versões para o cinema, boas homenagens ao escritor.
Roberto Santos dirigiu um dos melhores episódios da comédia “As Cariocas” e, em 68, fez “O Homem Nu”, inspirado em história de Fernando Sabino. Retomou os temas rurais com “Um Anjo Mau”, de 71, depois participou de um filme realizado com outros diretores e, no mesmo esquema, esquentou o episódio “Arroz Feijão”, do longa “Contos Eróticos”. Tendo como ponto de partida um conto da escritora Lygia Fagundes Telles, “A Caçada”, ele dirigiu “As Três Mortes de Solano”, e três anos depois, em 79, caiu no romantismo quando filmou “Os Amantes da Chuva”. Nenhum desses últimos filmes puderam ser comparados ao vigor de um “Matraga”, menos ainda
“Nasce Uma Mulher”, de 83, sobre virgindade, preservativos e conflitos entre pais e filha com aquele moralismo burguês que o diretor volta e meia gostava de ridicularizar.
Bondoso, excêntrico, explosivo, carinhoso e terno, Roberto Santos era professor na Escola de Comunicação e Arte da USP em 82 quando passou de diretor a personagem. Para impedir o corte de duas árvores – tipuanas – na rua Artur Prado, na Bela Vista, ficou duas horas pendurado nos galhos das árvores e conseguiu impedir o corte de uma delas. Virou manchete nos jornais não porque queria isso e sim porque desprezava o descaso com o ambiente e com os seres humanos. Isso tudo está muito bem registrado em seus filmes. Pena que no cinema brasileiro, até hoje, ninguém tenha se lembrado de voltar a Guimarães Rosa e ao pequeno Miguelin que Roberto Santos tanto queria filmar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Fassoni. Achei genial o seu "toque" sobre a grafia correta do filme e do conto. Que paga virou essa mania de chamar o filme de A HORA E A VEZ... Talvez a praga seja outra, a de escrever sem checar, sem consultar fontes, sem se esforçar para escrever corretamente. Acontece o mesmo com LAMPIÃO, REI DO CANGAÇO, do Coimbra, que sabe-se lá porque resolveram grafar LAMPIÃO, O REI DO CANGAÇO. Em tempo: a adaptação (horrorosa) dos irmãos Santos Pereira para GRANDE SERTÃO: VEREDAS tem por título apenas GRANDE SERTÃO (sem o VEREDAS). Parabéns pelo blog. Abraço,

Anônimo disse...

Caro Fassoni,

Por falar em Roberto Santos, estou procurando dados sobre documentários que ele teria feito na TV Cultura. Você sabe desses docs? Parece que tem um programa chamado Próxima Parada, sobre bairros. Me disseram também que o Roberto Santos filmou a última viagem do trem que ia para Santo Amaro.

Abraço,

Paola Prestes