Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

7 de fevereiro de 2008

O GRANDE DITADOR - último discurso

Ricardo, visitante do meu blog, pediu para que reproduzisse o texto do discurso pronunciado por Charles Chaplin no seu clássico “O Grande Ditador”. Quer imprimir e colocar, bem colocado, em seu escritório. Tem bom gosto. Pior se me pedisse o repeteco de algum pronunciamento de Eduardo Suplicy, ou do presidente Lula atacando as elites. Prefiro Carlitos, como ele. Primeiro, algumas anotações sobre o filme de 1940, época em que se iniciava uma surda campanha contra Chaplin, suspeito de ser um dos comunas de Hollywood. Três anos antes, o diretor Alexander Korda sugeriu que Chaplin filmasse uma história sobre Adolf Hitler, tendo como motivo um erro de identidade, já que Hitler tinha o mesmo bigodinho do vagabundo Carlitos. Só mais tarde, pensando em o que filmar, é que Chaplin lembrou-se da sugestão, e foi assim que nasceu o argumento, que levou dois anos para ser escrito, e que fala do barbeiro judeu e humilde que toma o lugar de Hitler, banca o ditador nazista e, numa sequência antológica, gira o mapa-mundi na ponta dos pés como se tudo, terra e água, fossem dele. No final, vai além da fantasia e da ficção ao pronunciar seu maravilhoso discurso. Foi o mais longo tempo – dura seis minutos, e é Chaplin, e não Carlitos, quem se dirige aos judeus, aos povos oprimidos por Hitler, aos povos e governantes em geral, chamando-os para que participassem da luta contra o nazismo.
O discurso final de “O Grande Ditador” foi, em grande parte, responsável pela expulsão de Chaplin dos Estados Unidos, uma década mais tarde, quando o Governo americano decidiu que um mundo de tensões seria mais proveitoso do que o mundo da razão. Mas o apelo feito por Chaplin continua vigoroso como credo de um artista que acreditava que a consciência criadora jamais poderia ser silenciada. Então, vamos lá ao seu discurso.
“Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio...negros...brancos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo, não para seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades”.
“O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo a muralha do ódio, e tem-nos feito marchar ao passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo será perdido”.
“A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem, um apelo à fraternidade universal, à união de todos nós. Nesse mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora, milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas, vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: não desespereis. A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia...da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
“Soldados! Não vos entregueis a esses brutais...que vos desprezam...que vos escravizam...que arregimentam as vossas vidas...que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como carne para canhão. Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar...os que não se fazem amar e os inumanos!”
“Soldados! Não batalheis pela escravidão. Lutai pela liberdade!. No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está dentro do homem, não de um homem só ou de um grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder, o poder de criar máquinas. O poder de criar a felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela, de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo, um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice”.
“É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim às ganâncias, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzem à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!
“Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontres, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para luz! Vamos entrando num mundo novo, um mundo melhor em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-iris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!
Uma cópia do discurso chapliniano em “O Grande Ditador” eu recebi no Natal de 1984 com votos de felicidades do publicitário e grande amigo Carlito Maia. Que Deus o tenha. É dele aquela frase criada quando Chaplin morreu num dia de Natal: “Deus não tinha companhia e então chamou Carlitos pra morar com ele.”

Um comentário:

Bernadette S. Holvery disse...

Fassoni, conheci Carlito Maia, aliás trabalhei com essa figura e ninguém amou mais Carlitos do que ele. Aprendi a amar Chaplin por causa do Carlito. Amo a ambos até hoje. Adorei o seu post.
Bernadete Sobreiro