Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
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26 de fevereiro de 2008

O CIRCO DO OSCAR

Antes tarde do que nunca. Tinha prometido a mim mesmo nunca mais assistir a entrega do Oscar, essa premiação que, ano a ano, fica mais brega e chata, e que, por motivos profissionais, fui obrigado a acompanhar, passo a passo, durante quase 30 anos. Até que me dei conta de que não tinha mais nada a ver com esse circo que, de uns anos pra cá, virou uma espécie de BBB cinematográfica. E vai acabar se transformando num show em que, primeiro, os convidados riquinhos vão assistir a um desfile de modas no “red carpet” para, em seguida, ver o que é que Hollywood e o resto do mundo produziu em termos de filmes com suas novas – ou não – tendências, estilos, linguagens renovadas – ou não – temáticas, efeitos especiais, montagens, fotografia, trilhas sonoras, músicas e, claro, interpretações. Imagino que, pelo andar da carruagem, em alguns anos, alguém vai concordar com aquele veterano produtor de Hollywood que, já nos anos 40, dizia que a chamada Meca do cinema era como o Egito, só tinha múmias.
Digo isso porque fico cada vez mais aborrecido em ver que o velho Oscar, nos seus 80 anos comemorados na festa de ontem, iniciada às 22h30, e encerrada hoje, segunda, quase às duas da madrugada, mais uma vez não privilegiou o cinema e sim o glamour de astros e estrelas que desfilaram aplausos sem saber o que estavam aplaudindo, sorrisos falsos, discursos idiotas – eles fazem parte da longa história do prêmio – e olhares disfarçados entre os concorrentes. É como se eu estivesse disputando algo com você, desviasse o meu olhar para o seu , desse um sorriso disfarçado e pensasse assim: “quero mesmo é que ele se dane”.
Mas acho que é chover no molhado. O Oscar, embora tenha perdido a sua emblemática conotação de festa onde o cinema norte-americano elegia o que houvera de melhor no ano anterior, com deliciosas disputas onde nem sempre o melhor era o melhor e nem o pior era o pior, vai, com certeza, continuar assim. Ou então vira mesmo um desfile de modas, cabelos, sapatos, unhas e jóias. E tudo isso apresentado por gente sem graça como o mestre de cerimônia de ontem, John – ou Jon? – Stewart, que deixou qualquer telespectador mais idoso – ou velho, como queiram – com saudades dos bons tempos em que o Oscar era a cara de um Bob Hope e os convidados iam para a festa com a certeza de que, além das surpresas dos prêmios, teriam grandes sacadas humorísticas de quem sabia como comandar o grande show.
Minha sorte é que, agora, posso colocar no meu blog tudo isso. Nos inúmeros anos que convivi com o Oscar sempre fui condescendente porque, afinal, era o prêmio que todo mundo queria ver, com milhões de dólares em apostas, tipo corrida de cavalos, mas era mais charmoso, mesmo quando exibido em preto e branco aqui pra nós. O cinema mudou, o Oscar também. Os filmes que antes a gente curtia, discutia, analisava, hoje são peças para os saudosistas como eu, que muitos vão julgar um cara ultrapassado se afirmar que ninguém pode comparar, por exemplo, um “Onde os Fracos Não Têm Vez” (melhor filme) com “Os Brutos Também Amam” (1953), igualmente um embate entre o Bem e o Mal, a ambição e a dignidade.
Bem, resolvi não me meter em análise de quem foi premiado ou injustiçado nessa premiação de ontem. Mesmo porque não vi nenhum dos filmes concorrentes, nem me interessaram porque, como disse, já não tenho o compromisso profissional de escrever sobre eles. Prefiro aguardá-los em DVD, e colocar ns minha coleção aquele ou aqueles que julgar dignos de uma filmoteca que considero razoável. Mas o diabo que me irrita todo ano é perceber que, mesmo acreditando que o Oscar vai ser mais uma chatice, acabo ficando, como fiquei, quase quatro horas acompanhando as piadinhas sem graça do senhor John Stewart, o condutor do show, que só fez humor pra americano rir, brincando com o presidente americano George W.Bush, com o casal Clinton etc. E vai por aí. Não me recordo de ter ouvido nenhuma referência a Barack Obama, que os analistas consideram o fenômeno político, nem à renuncia de Fidel Castro, às crises no Afeganistão e no Iraque e às torturas na base de Guantanamo, por exemplo. Em outras épocas, gente como Bob Hope sacariam deliciosas brincadeiras espinafrando politicamente tanto os republicanos quanto os democratas que concorrem à sucessão de Bush. Mas não vimos nada disso no Oscar de ontem. Deve ter sido algum tipo de precaução da Academia de Hollywood em não se envolver politicamente depois que a greve dos roteiristas, que já havia ferrado a festa de premiação do Globo de Ouro, ameaçava também esvaziar o Oscar, e nenhum produtor é de ferro pra agüentar tantos furos nos bolsos. Pequenos furos de alguns bilhões de dólares, considerando-se as perdas que os grevistas infringiram a restaurantes, comércio, joalherias e outros setores envolvidos diretamente com os resultados comerciais das duas grandes premiações hollywoodianas. De cara, ontem, na TNT, o repórter da cadeia de televisão ABC – nem sei o nome – desejava boa sorte ao sempre sorridente George Clooney dizendo “vá em frente porque você sabe que o tapete vermelho é mais longo do que um campo de futebol”. Outra pergunta a uma atriz: “vocês se deram bem fazendo o filme juntas?”. Para o espanhol Javier Bardem (melhor ator coadjuvante em “Onde os Fracos Não Têm Vez”): “foi ótimo você não ter vindo com aquele cabelo que usou no filme”. Para Jack Nicholson, que tem cadeira cativa na fila do gagarejo e não saca os óculos pretos: “você está muito elegante, Jack!”. Sai um, entra outro. Depois da horripilante montagem de abertura da festa, com cenas de perseguições, monstros, sangue, violência, bandidos e mocinhos, bem características do cinema norte-americano de hoje, o tal de John Stewart abre o show estupefato dizendo: “eu não acredito que vocês estejam aqui”. Ora, onde estariam?. E outras bobagens tipo “geralmente a Academia ignora os filmes que não são bons”, “o Oscar faz 80 anos e pode, assim, disputar a candidatura republicana à presidência”. “sabem o que fazem quem está aqui nos intervalos da televisão? Ficam reparando nas roupas que vocês aí estão usando em casa”. Enfim, outro besteirol digno mesmo dos últimos cinco ou dez anos do Oscar. De bom, só a homenagem a Robert Boyle, que fez os desenhos de produção de clássicos como “Intriga Internacional” e “Os Pássaros”, e que apareceu apoiado nos seus oitenta e tantos anos. E os prêmios aos “estrangeiros” Javier Bardem (“Onde os Fracos Não Têm Vez”), espanhol; Marion Cotillard, francesa (“Piaf,Hino ao Amor”, melhor atriz) e à inglesa Tilda Swinton (atriz coadjuvante em “Conduta de Risco”), que mostraram, com suas interpretações, que o chamado “star system”, marca registrada de Hollywood, já era. No ano que vem vou aproveitar este texto só mudando os nomes próprios e os títulos dos filmes. O circo vai ser o mesmo.

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