Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

12 de fevereiro de 2008

ROY SCHEIDER, BOM ATOR

É outro que se vai. Anteontem (10 de fevereiro), aos 73 anos, morreu o ator Roy Scheider, o xerife da pequena cidade litorânea de Amity que, em 1975, Steven Spielberg usou como cenário para filmar “Tubarão”, o filme que, depois de “Inferno na Torre”, realizado um ano antes, causou um rebuliço no chamado filme-catástrofe, aqueles que intrigam, assustam, provocam, metem medo e fazem você ficar um bom tempo sem tomar banho de mar. Foi o que aconteceu depois que “Tubarão” estreou. Uma pesquisa nos Estados Unidos revelou que grande parte dos banhistas e surfistas estavam mais tranqüilos curtindo a areia das praias em vez de se meterem mar adentro, mesmo sabendo que, no filme, quem acaba com o grande tubarão assassino é aquele xerife que decide interditar as praias de Amity, enfrentando os políticos e assumindo, ele, Roy Scheider, o papel de guardião da sociedade.
“Tubarão” foi, com certeza, o sucesso popular desse ator que, se nunca foi nada de extraordinário, sabia fazer o arroz-feijão sem cansar a nossa beleza. Pelo menos morreu tranqüilo, sabendo que não entrou no rol dos canastrões que Hollywood criou ao longo dos seus anos dourados. Scheider, que nunca foi nenhum desses astros engomadinhos ou rebeldes do cinema americano, sempre soube dignificar os personagens que interpretou. E não foram poucos. Roy Richard Scheider, nascido em 10 de novembro de 1935 em Orange, Nova Jersey, passou a fazer parte da tropa americana de bons atores a partir de 1972, quando foi indicado ao Oscar de coadjuvante por seu papel no policial “Operação França”, de William Friedkin. Mas seu talento nasceu principalmente no teatro, interpretando personagens de Shakespeare como Ricardo III no New York Shakespeare Festival, em 1961. Ali, descoberto por um produtor de Hollywood, foi fazer primeiro os telefilmes, primeiros passos para fazer carreira em Hollywood. Depois de pontas em filmes bons e ruins, engatou e deslanchou: “Na Calada da Noite”, com Meryl Streep, astronauta em “O Ano em Que Faremos Contato”, o segundo “Tubarão”, uma desastrada sequência, “O Abraço da Morte”, “O Atentado”, o bom “Klute, o Passado Condena”, de Alan J.Pakula, “Trovão Azul” e vai por aí.
Mas, apesar dos relativos êxitos em vários filmes, Roy Scheider não fez nada melhor do que o Joe Gideon, o diretor e coreógrafo de “All That Jazz” (“O Show Deve Continuar”, 1979). Por que foi este o seu melhor desempenho?. Porque quem o dirigiu foi simplesmente um dos maiores – senão o maior – diretor-coreógrafo da Broadway e do cinema musical norte-americano, Bob Fosse, o criador dos monumentais números de balé caleidoscópico na época em que Hollywood deitava e rolava nesse gênero. E Bob Fosse era o número um, apesar da forte concorrência. Os mais antigos, pra não chamar de velhos cinéfilos, curtem “All That Jazz” até hoje como um culto à morte e à autodestruição. É o grande filme – quem nunca viu pode ver nas locadoras – na carreira de Scheider, e certamente uma marca da filmografia expressiva de Bob Fosse. Aliás, ele era um sujeito tão esquisito que resolveu ser ator e fez o papel da serpente na pequena e bonita fábula “O Pequeno Principe”, a versão que o diretor Stanley Donen fez para obra literária clássica de Saint Exupéry, leitura obrigatória de nossa infância, se bem que hoje, lendo as notas de vestibulandos, é capaz de ter virado “Santo Exasperado”, da mesma forma como Sancho Pança, o fiel escudeiro de Don Quixote, virou São Chupança. Assim não pooooode...
Bob Fosse encontrou em Roy Scheider aquele ator perfeito para personificar quem, quem?. Ora, ele mesmo, Fosse, já que “All That Jazz” é de cabo a rabo autobiográfico, ou seja, narra a trajetória do próprio Fosse, o Joe Gideon interpretado por um ator que assimilou como ninguém a alma do personagem que Bob Fosse criou: ele mesmo, diretor e coreógrafo que, após um enfarte, se recusa a parar com seu trabalho, com o cigarro e com as generosas doses etílicas, e também com o sexo, e vai pro brejo, não sem antes levar pra cama o número suficiente de mulheres pra matar qualquer um da idade dele. E, claro, de dialogar com o Anjo da Morte que iria abrir o caminho pra não sei lá onde.
O fato é que Fosse e Scheider se deram bem. Em “All That Jazz”, que realizou logo em seguida ao sucesso do musical “Cabaret”, com Liza Minelli, o diretor Gideon interpretado por Roy Scheider era ele. Foi uma alquimia perfeita porque, segundo o jornalista e crítico Ruy Castro, grande amigo, no seu livro “Um Filme é Para Sempre”, que recomendo e já li três ou mais vezes, para Bob Fosse, o show nunca devia terminar. Ele morreu em 1987. E agora o show terminou para Roy Scheider. Os tubarões de Amity já podem voltar a atacar porque o xerife morreu.

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