Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
O material não segue nenhuma ordem, seja cronológica, seja de categoria ou qualquer outra. É apenas um registro digital de muitos anos de jornalismo.

14 de fevereiro de 2008

JOHN FORD SE DIVERTE

Li recentemente um gostoso artigo onde o autor – e nem sei quem foi – analisa o ócio como alguma coisa que faz bem pra saúde, ao contrário do cigarro. O ócio é aquela pausa que todos os aposentados ganham e curtem desde que não fiquem pensando na miséria que vão receber até o fim da vida. Como diria a nossa cara ministra, “recebam e gozem”. O ócio, segundo o artigo, é muito melhor para a saúde do que se imagina e além daquilo que os médicos reprovam. É o período em que, sem nada a fazer, e pouca coisa em que pensar, os ociosos gastam seu tempo enchendo a cabeça de boas idéias. Ou idéias ruins. Foi no ócio, descansando a sombra de uma macieira, que o nosso caro Isaac Newton (1642-1727) encontrou o caminho para estabelecer a sua teoria da gravitação. Foi na prisão que Cervantes teve tempo suficiente para iniciar o seu “Don Quixote”. São apenas dois exemplos de que ficar coçando, de vez em quando, dá mais resultados do que pegar no cabo da enxada.
E foi o ócio o responsável por um dos filmes mais gostosos que o diretor John Ford realizou em sua vasta e rica carreira no cinema norte-americano. Quem nunca viu “O Aventureiro do Pacífico” pode procurar nas boas locadoras, mas creio que será difícil encontrar. Tentem porque vale a pena. Tenho uma cópia em VHS e não troco por nada porque volta e meia revejo pra verificar como John Ford, o mestre dos maiores “westerns” (“No Tempo das Diligências”, “O Homem Que Matou o Fascínora”, “Rastros de Ódio”, “Crepúsculo de uma Raça”) e também de outros clássicos além dos faroestes, como o notável “Depois do Vendaval” (“The Quiet Man”, 1952), era capaz de reunir sua gang de atores (John Wayne, Lee Marvin e outros), convencer os produtores, arrumar a bufunfa e juntar toda a sua divertida quadrilha numa ilha dos Mares do Sul para o que? Levar a sério o cinema? Não, apenas filmar uma aventura descontraída, leve, divertida, etílica, sem nenhum compromisso com linguagem, estética, filosofia, psicologia, análises ou o que fosse que ele tivesse levado em consideração em todos os seus anteriores grandes filmes.
Foi em 1963 que Ford realizou “O Aventureiro do Pacífico” (“Donovan’s Reef”). Se vocês procurarem maiores detalhes sobre este pequeno mas delicioso trabalho que o diretor realizou numa época de puro ócio – estava sem projetos – talvez nem encontrem. Juntou alguns de seus atores preferidos e parece ter dito o seguinte: “como estamos todos coçando o saco, vamos pelo menos nos divertir fazendo um filme num paraíso, bebendo, rindo e esculhambando o mundo”. O filme é mais ou menos isso, embora tenha uma história tradicional, com início, meio e fim, e aquele inevitável “happy end”.
Mas o que atrai mesmo é a forma como todos – diretor, atores e figurantes – agem como se não houvesse perto deles nenhuma câmera de cinema filmando as brincadeiras. Porque, na maior parte do tempo, o filme é uma grande gozação, feito sem nenhuma pretensão de agradar nem público, nem críticos, nem produtores, mas apenas eles, John Ford, John Wayne, Lee Marvin e a atriz Elizabeth Allen, no caso a mocinha. É tudo uma grande farra onde Wayne e Marvin passam o tempo inteiro brigando, a moça herdeira de 15 milhões de dólares vai reencontrar o pai médico e já enraizado na ilha, e o cenário evocando os aspectos sagrados que envolvem os habitantes do lugar.
Tem razão o crítico Luiz Carlos Merten quando escreveu que “O Aventureiro do Pacífico” não é apenas uma comediazinha de aventuras e sim uma “a pequena utopia de John Ford, onde diversas culturas, etnias e religiões coexistem no mesmo espaço”. John Ford, que morreu em 1973 aos 78 anos, teve tempo, portanto, de mostrar que até no ócio ele era criativo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Fassoni:

Tudo bem? Sou jornalista e estou realizando pesquisas para meu próximo livro, o segundo, que será sobre seu antigo colega de "Ilustrada", José Tavares de Miranda. Gostaria, se possível, de entrevistá-lo sobre Tavares. Poderia encaminhar seus contatos para meu email? O endereço é: senador.gabriel@gmail.com
Um abraço.

Gabriel Kwak
Jornalista

Unknown disse...

Caro Fassoni, vc teria algo a nos contar sobre O TESOURO DE ZAPATA, western feijoada dirigido pelo Adolpho Chadler? Obrigado,

Rodrigo Pereira