Críticas, matérias, entrevistas e reportagens da carreira de Orlando Fassoni.
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24 de janeiro de 2008

CINEMA E CARNAVAL

Hoje é 24 de janeiro de 2008. Ou seja: em uma semana vai rolar a bagunça carnavalesca que toma conta de todo o país, já que nascemos carimbados sob o signo do povo que mais curte samba no Carnaval e futebol o ano inteiro, mais um dos mesmos anos em que esquecemos as cinzas da nossa imunda política, das crises que certamente virão na saúde, na geração de energia, na educação etc etc etc. Mas, como somos conformistas, vamos rezar pela cartilha de dona Martha, aquela que recomendou a cento e oitenta milhões de brasileiros um santo remédio: relaxar e gozar. Isso poooode!.

As entidades que cuidam de cinema poderiam programar para estes dias uma retrospectiva com alguns dos mais representativos filmes carnavalescos produzidos pela Atlântida ou pela nossa – paulistana – Vera Cruz. Duvido que alguém da geração com menos de 40 anos se lembre de algum título, mas tivemos vários deles.Carnaval e futebol são dois fenômenos de massa que nunca foram explorados do ponto de vista sociológico. O futebol só com os recentes filmes que narram os deliciosos encontros dos “Boleiros” do diretor Hugo Giorgetti, ou o documentário de Aníbal Massaini sobre Pelé. Nada mais.

Carnaval já deu muito samba no cinema. Durante anos a fio, os filmes nacionais usaram e abusaram da festa de Momo, basicamente em comédias rápidas e mal acabadas, mas que ficaram marcadas como registros de suas épocas. O Carnaval era apenas o chamado “pano de fundo”. E filmar desfiles carnavalescos era um suplício para os diretores chanchadescos e para os produtores que preferiam filmar tudo em estúdios. Somente em “A Lira do Delírio”, de Walter Lima Júnior, o cinema saiu às ruas para focar a folia carnavalesca carioca que desembocava popularmente no bloco que dá título ao filme.

Quem tiver interesse em se aprofundar no estudo das relações entre cinema brasileiro e Carnaval pode procurar informações sobre “Samba da Criação do Mundo”, que Vera de Figueiredo realizou em 1977, que projetou uma espécie de ópera-samba unindo a apoteose de um desfile com seqüências complementares que pudessem incluir uma história.Aí não entra apenas o samba-enredo da Beija-Flor mas também dados sociológicos sobre ritos brasileiros como o candomblé e a filosofia Nagô
Carnaval, afinal, foi um gênero do cinema nacional?. Melhor considera-lo como um incidente. Apareceu aqui e al, como num dos filmes onde Roger Moore, então James Bond, era atacado por inimigos fantasiados de foliões numa rua estreita do Rio. Até mesmo Carlos Diegues deslizou sobre o tema em “Quando o Carnaval Chegar”porque o foco principal era o grupo de cantores – Nara Leão, Chico Buarque, Maria Bethânia e outros – que bancavam os camelôs musicais, cantando desde Lamartine Babo até Herivelto Martins de cidade em cidade.

Os pesquisadores garantem que já em 1908 precursores do cinema nacional como Adhemar Gonzaga e Vicente de Paula Araújo filmavam cenas do corso em Botafogo. Em 1909 surge “Aspectos Populares do Carnaval do Rio”, documentário considerado marco do nosso cinema carnavalesco e do mesmo ano em que Antônio Leal lançava “Pega na Chaleira”, baseado no maior sucesso musical da época. Entre 1908 e 1912 nasceram “O Carnaval do Rio de Janeiro”, “O Castigo do Kaiser” e principalmente “Pierrô e Colombina”, que, segundo a revista “Palcos e Telas”, “não era uma película em que se notem a perfeita nitidez das produções da Paramount, a montagem luxuosa da Goldwyn e os românticos enredos da Universal”.

Sem o som, os filmes precisavam ser acompanhados musicalmente atrás da tela, e o sincronismo quase sempre era um desastre. Mas as platéias aplaudiam músicas como ‘Pois Não’, ‘Fala Meu Louro’ e ‘Pé de Anjo’. Em 1921, os críticos de “A Tela” desceram o pau nos almofadinhas e nas melindrosas cariocas que tinham caído na folia com a marchinha ‘Ai, Amor’, de Freire Júnior, e denunciavam “ausência de moral” em filmes carnavalescos como “O Que se Passou no Carnaval”, “O Que Ainda \não se Viu” e “Carnaval na Praia de Icaraí”. Como se vê, já naquele ano os censores arregaçavam as mangas.

Em 1927 tudo mudou. Al Jolson inaugurava a era do som em “O Cantor de Jazz”, as salas foram obrigadas a instalar os “equipamentos maravilhosos” e as nossas canções passaram a
Satirizar a invenção. Noel Rosa, na marchinha “Não Tem Tradução”, cantava “o cinema falado/ é o grande culpado/ da transformação/ amor lá no morro/ é amor pra chuchu/ as rimas do samba/ não são I love you”.

O até então baixo nível dos filmes carnavalescos só melhorou quando Carmem Miranda apareceu nos estúdios da Rádio Mayrink Veiga cantando ´’Moleque Indigesto’, de Lamartine Babo, e ‘Good Bye’, de Assis Valente, no filme “A Voz do Carnaval”, de Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro, e “Alô,Alô Brasil”, produção da Cinédia, entrou na onda usando boa parte dos cantores da época em números com marchinhas, frevos e sambas tipo ‘Rasguei a Minha Fantasia’, ‘Foi Ela’ – Ari Barroso acompanhava Chico Alves – e “Alô, Alô Carnaval”. O público curtia a inocência das histórias e a graça das canções.
Em 1935, o diretor Humberto Mauro foi ver como era o início do Carnaval nos morros cariocas e rodou “Favela dos Meus Amores” e em seguida fez “Cidade Mulher”, com canções compostas especialmente por Noel Rosa e onde Orlando Silva apareceu nas telas pela primeira vez.

Foi em “Banana da Terra” que Carmem Miranda despediu-se do Brasil cantando ‘Pirulito Que Bate-Bate’, ‘O Que é Que a Baiana Tem’ e ‘Sem Banana Macaco se Arranja’, um filmusical onde também apareciam Orlando Silva com ‘A Jardineira’ e Carlos Galhardo carimbando ‘Sei Que é Covardia’. Em 1940, Chico Alves cantava quase todas as músicas do filme “Laranja da China”, uma delas ‘A Dama das Camélias’. Mas faltava ainda algum outro elemento para o filme carnavalesco. Era o humor. Então chegaram Oscarito, Ankito e Grande Otelo para preencher a lacuna em obras um pouco mais elaboradas que tinham suas tramas vilões tipo José Lewgoy e Renato Restier. As canções passaram a entrar incidentalmente no meio das histórias através de Emilinha Borba, Marlene, Cauby Peixoto,Chico Alves, Ivon Curi e Adelaide Chiozzo, entre outros ídolos das macacas de auditório da Rádio Nacional.

A pesquisadora Regina Paranhos afirma, num estudo sobre Cinema e Carnaval, que, no conteúdo, “descemos ao nível da cloaca” e que a música brasileira era traída com os filmes que incorporavam ritmos latinos, americanos, europeus e de outras origens. Diretores como Watson Macedo, José Carlos Burle, Carlos Manga e JB Tanko deitaram e rolaram sobre o filmusical carnavalesco em chanchadas tipo “Abacaxi Azul”, “Carnaval no Fogo”, “Aviso aos Navegantes” e “Carnaval Atlântida”, partes do grande pacote de filmes que, segundo Regina Paranhos, representaram um atraso formal do cinema brasileiro. “De 1942 a 1960 – afirma – o que fora o reduto do cinema na ional mais puro transformou-se em ponta de lança da desnacionalização, inversão da nossa filosofia de vida, corrupção cultural.”. Mas houve exceções, por exemplo,nos anos 50, em filmes como “Tudo Azul’, de Moacir Fenelon, e “Absolutamente Certo”, de Anselmo Duarte. No final da década, o francês Marcel Camus aportou por aqui e realizou “Orfeu do Carnaval” ou “Orfeu Negro”, que muitos analistas situam como o melhor de todos nossos filmes carnavalescos.
A chanchada morreu, nascia o Cinema Novo. E o Carnaval virou cinza.

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